TODAS AS MANEIRAS DE SE VER AS COISAS
Vic Laurel


Primeiro ele olhou, pura e simplesmente olhou. Inclinou um pouco a cabeça, para um lado e para o outro, como se aquilo mudasse de alguma forma o que via. Inclinou ainda outra vez, com um pouco mais de esforço, até a orelha quase tocar o ombro. O cabelo, que estava na testa, ele empurrou para o lado e, em seguida, para trás. Não convencido, fechou o olho direito e tornou a olhar. Depois, o olho esquerdo. Então achou que poderia ajudar se, com ambos abertos, fizesse aquele esforço do míope sem lentes, apertando os olhos para que a imagem entre em foco por uns segundos que seja. Também não adiantou.

Rangeu os dentes, tocando fortemente as mandíbulas, numa concentração preocupada. Respirou fundo, dilatando as narinas e deixando-as voltar ao normal, inspirando até encher os pulmões e as bochechas e expirando até se sentir completamente esvaziado e magro. Botou a língua pra fora, cansado do esforço, e levou-a aos cantos da boca, tentou alcançar o nariz e o queixo, sem sucesso.

Percebeu que não chegaria a conclusão alguma sem uma atitude mais grave. Estalou os dedos antes de prosseguir, um por um, duas vezes – ou três, até, quando julgou necessário. Apertou, acariciou, puxou, esticou, amassou, espremeu, alisou, arranhou, apontou, cutucou, torceu, dedilhou, bateu, esfregou, virou, tentou desvirar. Nada.

Olhou novamente, pura e simplesmente, como no primeiro olhar. Procurava o resultado de suas investidas, mas tudo parecia exatamente igual. Definitivamente, era inútil: seu rosto era aquele mesmo e ele teria que se conformar.


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