FOURÈGE FRESH OZÔNICO
Eduardo Prearo

Beach: sand, shell, fish.

Fish?

A cartomante, delicadíssima, usava um traje branco-perolado com lantejoulas negras, babados furta-cores, decote ousado e ombreiras. Seus olhos mui verdes fixavam-se nos dele. Esperança ou compaixão? Logan imaginou-a num penhoar vermelho-mó-legal. A primeira carta seria o enforcado, tinha certeza, en-for-ca-do, mas não, era a estrela, a claridadezinha, alguma inspiração no passado. Ficara bem otismista mesmo, mas a condição dele desandava. Ele era um dos fantoches da política. Logo surgiu a segunda carta, um anjo sobre três pessoas peladas, significando cobranças, indisposição, comodismo. A cartomante chamou-lhe de mole, Logan quis desaparecer. Por fim, veio a última carta, a lua, algo oculto talvez não bom. Se ele conseguisse deixar de ser cobrado, as coisas melhorariam. Tá bom. Mesmo assim, não pagou à cartomante. Caso não pagasse mais nada a ninguém, deixaria de ser honesto? Os cobradores costumavam avisá-lo indiretamente sobre o que ele deixara de pagar.

Naquele pesadelo de tarde fazia um calor e tanto. Pensou na dança da chuva, sentiu-se ridículo. Ainda bem que a cartomante não correra atrás dele. Um MOLE também foge. E uma coca bem gelada era reidratante. Tomou logo duas, impulsivamente. Uma sede estava morta, a física; as outras não conseguiam se expressar.

Swimming in a deep blue ocean with fishes and turtles.

Ah, mais encrenca na vida. Logan era infantil. Pagar para trabalhar, que burrice! Não percebia que vender perfumes era contraproducente? Estava fodido. Na certa não tinha os pés no chão, não raciocinava legal. As pessoas chamavam-lhe de senhor o tempo todo, ele só podia ser um anômalo. E queria porque queria ser escritor. Outra burrice! Os escritores modernos pareciam pensar muito na posteridade, como se suas obras revisadas contivessem idéias perfeitas, jamais preconceituosas. Ele não, escrevera tanta merda na vida e seu português era fraco.

Ships, dogs, love.

Love?

Logan pensava na familiaridade que gera o desprezo, já passava das vinte e três. Sua imensa poltrona azul-cobalto, comprada por dez reais num hotel que estava vendendo tudo, era bem confortável. Cianureto? Não entendia mais nada. Não entendia o trânsito, por que tanto trânsito se a maioria estava enforcada, como diziam, estava sem tempo? Se os subviários ficavam cheios de gente em plena dez da manhã, por que ele é que era o vadio? Ah, mas também que estupidez dele pensar assim! Ligou o rádio, não ouviu nada, talvez a melodia tocasse no infra-som.

You only want to live your life!

No outro dia, acordou com uma sensação estranha na barriga, era a angústia, o pavor. Cheque sem fundos! As taxas, mesmo astronômicas, fizeram-no repetir o delito? Como? Não aprendia mesmo. Saiu por aí, andou até que muito sob o sol forte, tentando vender seus perfumes; achou que assassinara um leão. Mentira, ignorância! Entrou num parque e sentou-se num banco. Viu-se limpando o chão do pátio de uma igreja, pátio infindo. Pensou no verbo e no substantivo do momento: subestimar e austeridade. Passou, depois, um perfume no pulso, um fougère fresh ozônico; passou o perfume na orelha toda, exorcizando um tapa do futuro. A fragrância que entrava com o vento em suas narinas, silenciava a mente. Nada como um dia após o outro?

 

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.