LOUCURA
Tatiana Alves

A última notícia que se teve dela foi a de que vagava pelas ruas, declamando versos com o olhar perdido. Chamavam-na a louca desde que surtara pela primeira vez, e desde então vivia, de fato, na tênue fronteira entre loucura e sanidade. O que desconheciam, contudo, era a lógica quase cartesiana que guiava seu mundo de insensatez. Era essa lógica o que a incompatibilizava com o mundo, tão supostamente racional, que ruía diante de seu olhar crítico. Ela não. Movida pelas próprias convicções, quiméricas no dizer dos outros, levantava a cabeça com altivez ao defender opiniões geralmente destoantes do senso comum.

Começou por ser silenciada. E de tanto ser silenciada, aprendeu a falar sozinha, sem ninguém para ordenar que se calasse. Então passou a ser ignorada. Esqueciam-se de que estava ali, e não lhe dirigiam mais a palavra. E de tanto observar, decidiu criar um mundo seu, no qual as opiniões divergentes fossem respeitadas. A ela juntaram-se os poetas, os malditos, os hereges, os blasfemos, os bandidos, os profetas e os bêbados. Em seu mundo havia espaço para cada uma das verdades de seus habitantes.

A última notícia que se teve dela foi a de que vagava pelas ruas, com a pele descamando. Ao lado de seus poemas e canções, renovara-se. Transformando-se, encontrara a si mesma.

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