O GRITO
Vic Laurel

Era quase meio-dia quando eu parei naquele sinal, cruzamento de uma das principais avenidas da cidade com uma ruazinha sem muito movimento. Sol a pino, fumaça dos carros, todos os motoristas impacientes e loucos para buzinar ao primeiro segundo de luz verde e nenhum movimento.

Parados os carros, vi aparecer, perto da faixa de pedestres à frente do primeiro carro da fila, um menino alto e magro, mas com rosto de criança. O menino vestia uma bermuda surrada e uma camiseta laranja, e trazia nas mãos um pedaço de papelão que logo se abriu num cartaz escrito em pincel atômico preto. Nele estava escrito um pedido de ajuda, mais precisamente “qualquer moeda”, para que ele ajudasse a mãe a comprar comida e pagar o aluguel.

Não era uma ambição tão modesta quanto algumas que se vê nos sinais de qualquer grande cidade, afinal, aquele menino e sua mãe tinham um teto. Confesso que, enquanto lia o cartaz, pensava que ele deveria estar na escola àquela hora e imaginava a possibilidade de que fosse apenas mais um menino a ser explorado pelos pais para conseguir trocados de pessoas de melhor sorte na vida.

Depois de alguns segundos, a motorista do carro ao lado do meu baixou o vidro elétrico e esticou a mão. Foi a única dentre todos nós – inclusive eu, porque estava perdido em meus pensamentos ou porque não tinha mesmo um centavo ao alcance ou ambos – a atender ao apelo do menino. Então ele dobrou o cartaz e caminhou lentamente até o carro de vidro aberto, meio encolhido, como se não tivesse prática. Pude vê-lo de perto e notei que não era insegurança de principiante, mas verdadeira vergonha de pedir esmolas no sinal. Agradeceu à motorista apenas com um aceno de cabeça, sem dar uma palavra, e viu o vidro se fechar. Abriu novamente o cartaz, ali onde estava, para que os carros que chegaram depois o vissem, mas o sinal enfim abriu.

Não dei tempo para que o carro de trás buzinasse: saí depressa, sinceramente desejando ter uma moeda na próxima vez em que parasse naquele sinal. Olhando pelo retrovisor, vi ainda o menino dobrar mais uma vez o papelão e voltar à calçada, próximo à faixa de pedestres, onde esperaria novos carros e, com um pouco de sorte, motoristas um pouco menos acostumados ao barulho que já virou música ambiente e um pouco mais sensíveis ao gritante silêncio de um menino.

 

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