ALMAS SONHADORAS
Ly Sabas

 

Durante muitos anos subiram o morro e deitaram na grama para conversar. Ali era o santuário. O confessionário de seus pecados, amores e frustrações. Cumpriam uma espécie de ritual e sempre olhavam as nuvens e enumeravam alguns bichos ou objetos, mas rapidamente passavam aos seus problemas ou alegrias. Confiaram suas primeiras experiências sentimentais e embora, veladamente, sentissem um certo ciúme um do outro, torciam e davam palpites, quase sempre acertando em suas previsões. Conheciam suas almas como metades de uma só.

Na adolescência passaram a escrever textos e poesias que transbordavam sons, música, cores e cheiros com uma força interior que queimava feito lava. E eram críticos ferozes, não deixando escapar nada. Entendiam os pensamentos e idéias um do outro, até as não formuladas. Ele sempre tão poético e doce, ela misteriosa e minuciosa.

A vida os levou por caminhos diferentes sem nunca os separar. A distância forçou-os a se corresponderem mas, sem que nenhum dos dois soubesse, sempre fechavam os olhos e visualizavam no coração a grama e as nuvens, antes de converterem seus sonhos em palavras.

Foram anos profícuos. Tantas alegrias, dores, angústias, amadurecimentos, incertezas, euforias e amores. Principalmente amores. Nas dores e angústias estavam incrustadas as perdas... dos amores. E eram divididas com tanta precisão que sofriam fisicamente. Riam e choravam; conseguindo transmudar toda dor em luz, que jorrava de seus escritos.

Era incrível como dirigiam suas vidas profissionais e particulares com aparente sabedoria e, ao mesmo tempo, turbilhonassem em sentimentos contraditórios, onde colocavam em xeque todas as decisões que aparentemente haviam tomado com tanta facilidade. Tinham a impressão de serem pássaros presos em gaiolas de fundo falso, de onde poderiam fugir se conhecessem o segredo.

Houve épocas em que ficavam como que anestesiados. Um vácuo profundo se formava em suas almas e secavam, sem conseguirem escrever uma única linha. Nessas horas se telefonavam apenas para perguntar: você está aí? E isso bastava, a certeza da presença do outro. De repente vinha a euforia... e brotavam como lírios em pleno inverno. E eram páginas e mais páginas de amores imaginários tão exultantes, que sofriam por não serem compreendidos. Por serem cobrados e rotulados.

Ainda vivem assim; passando por furacões avassaladores, e, qual gladiadores, defendem seus frágeis corações para logo depois enfrentarem novo combate. Encolhem-se atrás de débeis escudos fabricados por palavras e juras, e procuram sepultar num poço sem fundo toda a injustiça de que se julgam alvos. Não são de todo inocentes. Com seus delírios, fizeram e fazem sangrar as almas dos que tentam acompanhar seus desvarios; porém recusam-se a sufocar suas ilusões, a vagar por uma pseudo-existência... sem a magia do sonhar.


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