ARTE DE MORRER
Beto Muniz

 
 

Fomos felizes enquanto deixei de lado nossas almas.

Ela me era um desejo sem tamanho, uma transpiração seguida de arrepios descendo pela nuca, percorrendo a espinha, contraindo a próstata e intumescendo o sexo. Ela me era completude - sem alma para estragar o desejo. Eu a queria. Nos meus delírios ela se mostrava nua, sempre!

Corpo. Queria apenas seu corpo e citava Manuel Bandeira quando ela apaixonada me oferecia a alma. Cobiçava a temperatura crescente em sua pele, seu abrir de pernas, sua inundação viscosa, nada mais. Nesse querer físico eu a possuía pela boca, entre os seios, nas mãos, no ventre, pela frente, por trás, inteira, completa, plenamente. Era tão sincero em não querer mais que sua carne que possuía também sua alma, seus sentidos, sua sombra. Pleno nessa minha posse a castigava com ausências e desprezos, embora gozasse sozinho, faminto, com a lembrança de nossos corpos se entendendo. Era pecado? Eu dizia para a alma se entender com Deus, ou com as coisas fora do mundo. Neste mundo me bastava despejar de combustível em seu corpo incendiário. Eu a desejei com maldade, descrenças e também escárnio. Escarneci até sentir o desespero rompendo as fibras à esquerda no peito. Era minha alma solicitando satisfação. Disfarcei citando a mim mesmo o poeta e sua excomungada arte de amar, quis desfazer a incomunicabilidade das almas, clamei! Meu Deus! Supliquei perdão.

Desalmada ela freqüentava meu sonhos oferecendo-me a boca, a mão, o entreabrir de pernas... e nada mais. Imune de tanto eu lhe recitar os estragos que a alma faz ao amor, ela esvaia-se no ar. Uma quimera com meu esperma lhe escorrendo pelas coxas.

 
 

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