ÂNGELO DEPOIS 
  DO AMOR.
  Osvaldo Luiz Pastorelli
  
  
  
Ângelo ligou o aparelho, abriu a gaveta 
  e colocou o cd., num movimento lento os acordes da música se fez ouvir 
  afugentando o silêncio da pequena sala, foi até o barzinho, preparou 
  uísque com água e gelo, sentou na poltrona para saborear a moleza 
  que o corpo se projetava além de si e deixou-se ficar ao sabor do aroma 
  da música levando-o a percorrer os índices da bebida ligando o 
  torpor musical com o sexual, sorriu e ao mesmo tempo pensou : eu conheço 
  as manhãs cinzentas que prenuncia um dia de chuva, conheço o desabamento 
  que me dilacera como se fosse tempestade depois do amor completo e nunca derradeiro, 
  o frio que invade meu corpo nu, que penetra na carne ao contato com o couro 
  da poltrona, esse é o mundo que eu conheço; o mundo que há 
  em mim, que está dentro no meu peito, esse tenho que descobri-lo, aos 
  poucos, a dedo, no dia a dia fatídico que ora me impulsiona e ora me 
  desestimula, mundo que só me pertence, que me é tão importante 
  como o mundo das manhãs cinzentas, de chuvas e tempestades, talvez até 
  mais importante que tudo, até mesmo mais importante que o amor, que o 
  ato sexual em si, e se não estiver a contento, se não estiver 
  em paz comigo mesmo, com esse mundo não poderei desfrutar de nenhum mundo, 
  nem do seu mundo meu doce amor que nua dorme estendida entre os lençóis 
  manchados de suor, esse mundo é um mundo que deve ser revelado ao cair 
  do pingo de orvalho que rola pela rosa, que deve ser revelado pelo acorde da 
  música que lembre nossos momentos, que deve ser revelado no brilho do 
  sol que cria fantasmagóricas sombras no asfalto, é difícil 
  falar em palavras o que o íntimo sente, descrever a passagem da sombra 
  sobre a grama orvalhada sem que se desfaça uma gota sequer do orvalho, 
  ou a beleza do canto do pássaro, ou o aroma de terra molhada de chuva, 
  o sorrir de uma criança que num sobressalto aparece na nossa frente ingenuamente 
  vendendo bugigangas num linguajar engraçado e cativante, ou prender os 
  minutos de nossa alma que louca quer sair correndo e deixar-nos para traz só 
  porque conseguiu uns momentos de felicidade, por uma noite de felicidade... 
  é difícil ter o sentimento a flor da pele e querer transformá-lo 
  em palavras, descrever uma experiência que foi muito boa sem que haja 
  uma desvirtuação e quem for ler possa realmente captá-la 
  como ela foi, é difícil... mas não é difícil 
  viver o sentir da maneira como a sensibilidade capta os movimentos, principalmente 
  os movimentos abstratos que só a alma reconheça e dele possa tirar 
  ensinamento e jogá-lo no mundo real,... esse mundo é o mais importante... 
  e esse mundo é o mundo que devo frutificá-lo para num futuro dele 
  desfrutar..., assim pensava enquanto a música beijava seu íntimo 
  recostado na poltrona e seus olhos saciados de desejos vasculhava o teto do 
  seu peito num arfar quase ardente revelando um início de excitação, 
  o qual procurava se controlar, cruzou as mãos atrás da cabeça, 
  esticou o corpo num espreguiçar longo, e saboreando a música de 
  Mahler sentiu-se pronto a se entregar aos braços de Morfeu. 
  
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