ELE A PERDOAVA?!
Adriana Vieira Bastos

 

Estarrecida, ouvia-o dizer -- como um ditador barato, concedendo-lhe os benefícios da anistia -- estar disposto a recebê-la de volta na sua casa e fazer de conta não ter havido nada.

Só podia estar louco! – respondeu-lhe, indignada com tal perdão.

Quem era ele para se achar no direito de perdoá-la? Perdoá-la por ter dado um basta à tortura que fora viver ao lado dele? Vinte anos de prisão domiciliar. Silêncio forçado. Passos controlados. Perda de amigos.

Ele, sem alterar a entonação de voz, continuou como se ela não tivesse se manifestado. Dizia estar disposto a perdoá-la por tê-lo enfrentado, e ter agido de modo incompatível ao que se esperava da mãe de seus filhos.

Tentando se controlar, o viu continuar -- como se fosse o dono da verdade -- alegando ter agido como deveria agir um chefe da família. Tinha a obrigação de zelar e fazer de tudo para manter a paz e a ordem familiar.

Sentiu ânsia ao vê-lo parar, respirar fundo, olhar para o juiz e, monossilabicamente dizer que só sentia-se triste por constatar que seu zelo não tinha sido suficiente para demovê-la das idéias subversivas, que passaram a povoar a sua mente. Tanto que ela pegou as malas, as crianças e saiu pelo mundo, abandonando a segurança e o conforto que era o seu lar.

Era a fala que precisava ouvir para perder o controle.

E as agressões? Será que ele tinha esquecido as agressões? O braço quebrado! O olho roxo! As costas lanhadas! A boca ensangüentada! E, principalmente, o medo que passara a fazer parte de sua vida!, reagiu gritando, para desespero de sua advogada.

O sangue subiu-lhe ao rosto e sem perceber esquecera dos apelos que esta fizera antes, para manter-se calma, pois tudo ali era um jogo. E ela teria que aprender a jogar. Caso quisesse ganhar, é claro

Ponto para ele!

Reconheceu, ao escutar o juiz, com ares de “dé jà vu”, pouco caso, e cansaço, ordenando que não perdesse a compostura, para o bom andamento da audiência.

E ele, --como um general pronto para o contra-ataque -- ciente da vantagem, argumentou ter sido natural, ao vê-la se rebelar, que acabasse também perdendo o controle. Não podiam esquecer que ele era um homem disposto a tudo para proteger a família...

Era muito cara de pau! – pensou ao sentir estômago novamente revirar.

Ele, calmamente, tornou a fixar os olhos no Juiz e finalizou dizendo que se encontrava de peito aberto e só dependia dela a possibilidade de um recomeçar para a família.

Será que ela não estava sendo muito rancorosa e revanchista? Quem sabe se ela resolvesse colocar uma pedra no passado as coisas poderiam ser melhores? Afinal, era visível a vontade do marido de refazer a vida a dois - argumentou o advogado dele.

Esquecer o passado? - atônita perguntava a todos. Como se o passado pudesse deixar de existir! Como queriam que ela esquecesse todo o sofrimento, se hoje ela não era nada mais do que o “fruto da vida insana que levara com ele”?.

Assustada, arrepiou-se ao ver que até sua advogada acabara entrando na onda deles, ao perguntar-lhe se não estava disposta a reconsiderar.

Sentia-se só!

Como era difícil para os demais - advogados, juiz e seus próprios amigos - entenderem não se tratar apenas de rancor ou revanchismo!

Precisava abrir os porões da ditadura que fora a sua vida de casada. Por ela e pelas filhas! Para que os erros do passado, servissem como exemplo para não serem repetidos no futuro.

Precisava colocar em pratos limpos este lado obscuro de sua vida, para que pudesse, finalmente, livrar-se dos fantasmas e, quem sabe, mais leve, continuar a viver!

Hora da decisão!

O Juiz, alegando infrutífera e encerrada a audiência de conciliação do Divórcio do casal, por não haver acordo entre as partes, marcou a audiência de instrução e julgamento para dois anos e meio, a partir daquela data, tendo em vista a agenda lotada, por causa de uma recente greve do judiciário.

Triste, foi obrigada a engolir o olhar maquiavélico do marido -- digno de grandes estrategistas -- vangloriando-se de não ser ainda naquele dia que pagaria por todos seus atos de tortura.

Desanimada, olhou fixamente para a famosa estatueta da justiça,-- com sua balança de 2 pratos, espada e venda nos olhos -- sobre a mesa do juiz, levantou-se, caminhou em direção a porta e saiu, sabendo que ainda não seria daquela vez que viraria a página daquele capítulo infeliz de sua história.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.