UM MINUTO DE SILÊNCIO
Ronaldo Torres

Agosto de 1985. O Pólo Petroquímico de Camaçari vivia o seu apogeu produtivo. As unidades operavam a 150% de sua capacidade nominal de carga. Algumas indústrias, a exemplo da Copene, começavam a ampliar suas plantas operacionais. Duplicar era preciso. A demanda era maior do que a oferta. O país vivia a distensão política, depois de duas décadas de ditadura militar. Embora se chorasse a morte de Tancredo Neves, ocorrida em situação misteriosa em 21 de abril desse mesmo ano, se respirava o alívio da Nova
República, presidida por José Sarney e tendo Ulisses Guimarães como timoneiro do Congresso Nacional.
Os trabalhadores da indústria química/petroquímica lutavam pela equiparação salarial com a Petrobrás. O adicional de turno de 88,5% era a principal bandeira reivindicatória. Na época, os adicionais eram apenas de 56%, dois terços dos adicionais pagos na Petrobrás, a principal acionista das empresas do Pólo, através da Petroquisa. Era necessário se corrigir
aquela injustiça. Afinal de contas, o patrão era o mesmo.
Não houve acordo. As empresas se mostraram intransigentes. O sindicato endureceu. Na queda de braço, levou a melhor este último, patrocinando o maior movimento paredista da história da petroquímica em todo o mundo. Havia em torno de sessenta indústrias no Pólo de Camaçari e todas elas pararam. Os patrões foram à Justiça. Perderam. O Tribunal Regional do Trabalho julgou a greve legal, decisão surpreendente para o modelo jurídico da época, atrelado, de corpo e alma, ao poder econômico. Davi vencia o Golias. Mais uma vitória do Sindiquímica.
Não demorou muito e veio a retaliação contundente e arbitrária dos donos do poder. De imediato foram demitidos 171 funcionários por justa causa, sendo que a Copene liderou a lista dos demitidos, com 71. Não tiveram direito a nada, nem mesmo de pegar seus pertences que ficaram nos armários de suas respectivas empresas. Os patrões, não satisfeitos com o final da greve, foram demitindo a conta-gotas, cada dia um, para não chamar a atenção da sociedade. A cada demitido, o estigma de uma lista negra invisível que negava o acesso do inditoso grevista a todo e qualquer meio produtivo, tornando o cidadão em um pária social.
Por alguns meses os desafortunados foram sustentados pelos colegas que tiveram a sorte de gozar dos loiros da vitória. Foi penoso, aviltante, humilhante e triste. Os demitidos, todos pais de família, tiveram suas vidas esfaceladas, moralmente destruídas. Alguns casamentos entraram em crise e muitos foram desfeitos. Filhos estranharam pais, colegas evitaram ex-colegas e a vida parecia não ter mais conserto. Alguns não resistiram e morreram clamando por justiça.
E hoje, dezenove anos passados, os patrões parecem que não perderam a intransigência nem arrefeceram o ânimo em prejudicar os herdeiros da Desdita. Ante a possibilidade dos mesmos serem beneficiados pela Lei da Anistia, negam fornecer um documento fundamental para que tal aconteça: o plano de cargo e salário praticado, hoje, pelas empresas. Sem esse documento, não há a menor chance de que os excluídos sociais um dia resgatem a sua dignidade de cidadão que em setembro de 1985 lhe foi usurpada.
Portanto, façamos um minuto de silêncio pelos que passam fome. Fome deJustiça e de Cidadania.


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