SE EU FOSSE CAMPONESA
Bárbara Helena
 

 

Alfredo,

 

Se eu fosse camponesa, te semeava umas juras femininas, te encantava com novenas de milho, te seduzia com facas de olhar.

Se eu fosse camponesa, entrava de foice no teu trigal, derrubava as ervas daninhas e te resgatava inteiro para os meus braços doces de mulher. Se fosse camponesa, ah, eu te jogava na terra , te plantava e encharcava, me fazia de chuva para te molhar, me fazia de orvalho para te regar.

Se eu fosse camponesa, contava os dias no céu, pendurava estrelas, roubava luz da lua só pra me enfeitar, te seduzir, te semear. Se eu fosse camponesa, te trazia as frutas mais maduras, te fazia cafuné com as minhas tranças e te deixava dormir no meu colo. Se eu fosse camponesa eu te perdia de amor, Alfredo, eu te prendia.

Se eu fosse camponesa, te pregava um sol amarelo na janela e bordava cortinas que escondessem a doçura do amor pra te enredar. Se eu fosse camponesa, esconderia a luz pra te fazer dormir, te acordaria com beijos e jacintos, te pediria uma canção antiga e faria guirlandas de papel. Se eu fosse camponesa, cobraria dízimos de beijos, pediria impostos de carinho e seria a rendeira do teu corpo para te transformar em meu servo e senhor.

Se eu fosse camponesa tu serias a idade média dos meus braços, o artesão do nosso futuro e o tecelão incansável das minhas noites.

Se eu fosse camponesa tudo seriam flores, correriam de nós rios de leite, nasceriam de nós arvores novas. Criaríamos sacis e caiporas para pular fogueiras na noite escura e para eu morrer de medo nos teus braços, teus morenos braços de me esconder.

Se eu fosse camponesa, mas não sou.

Sou urbana e estressada, sou ciumenta. Não agüento a traição, nem a mentira, não suporto a parceria com as outras locatórias do teu corpo.

Sou urbana e cheia de luzes de néon, sou falso brilhante, sou bijuteria barata. Sou qualquer. Estou saindo de ti para a noite sem estrelas do Enchanted e para os pagodes sem amanhã.

Extirpei a erva-daninha do meu amor.

E nem pense em mandar recado pelo Ali Babá. Vou deixar o cara plantado feito uma jaqueira, ou lanço a semente da discórdia entre vocês, cultivando uns olhares camponeses entre nós. O Ali, descontando os noventa por cento de álcool, até que não é de se jogar fora. Pelo menos para iniciar a minha nova plantação de amores vadios.
Cuida da tua roça que meus gafanhotos estão soltos.

 

 

fale com a autora