VIZINHA
Daniela Fernanda
 
 

A casa da vizinha, e tudo que nela existe, é sempre melhor que a nossa.

A água da piscina é mais azul; e se não bastasse, está sempre limpinha. O filho da vizinha é mais educado, nunca o escutei retrucar a mãe. Sempre trouxe as namoradas para conhecer a família. Menino sério ele.

Na casa dela, tem empregada. Que vida mansa tem a vizinha! O marido? Nossa Senhora! Nem se compara com o meu. Ele é mais bonito, mais sarado, se arruma bem e além de tudo, o fofíssimo trás flores para ela todos os meses no dia dois. Tenho praticamente certeza que se casaram nesta dada, posso até arriscar que foi no mês de novembro, pois já observei que o buquê nesta data é maior, mais colorido, mais vistoso, eu diria mais cheiroso até. Ele sim é um maridasso, chega sempre cedo, não se atrasa nunca, não joga futebol e jamais foi visto nos bares da redondeza.

A dondoca, não trabalha fora, acorda tarde, eu sei, porque a última janela a ser aberta na casa é a do quarto dela. Recebe visita semanalmente, de uma senhora muito distinta. Provavelmente tomam chá com duas gotas e meia de adoçante e bolachinhas estrangeiras, é mais chique que dizer importada.

Tudo o que queria era ter uma vida igual à da vizinha.

Eu, sou a vizinha. E todas essas coisas ouvi a meu respeito, e de minha família na noite em que tive um "ataque de síndrome de Nero" e botei fogo na casa.

Alguns me julgam a verdadeira rebelde sem causa, outros, a mimada que tem tudo e não sabe como chamar atenção. Sem esquecer aqueles que acham que o hospício é pouco para uma mulher capaz de destruir o seu próprio lar, "tão perfeito". Na verdade, eu poderia explicar que a água da piscina está sempre limpa, porque é tratada, mas nunca é usada. Meu cãozinho de estimação morreu afogado nela, há mais ou menos três anos. Meu filho, meu único filho, não me dirige a palavra desde que saiu da prisão, onde cumpriu pena por tráfico e consumo de drogas pesadas. Algumas vezes traz mulheres estranhas, e elas passaam à noite em seu quarto.

Aquela mulher, que todos pensam ser minha empregada, é na verdade uma prima pobre do meu marido, que não tendo onde morar, hospedou-se em nossa residência há seis anos, e ainda não foi embora.

Meu esposo tráz flores para casa mensalmente, é verdade; mas elas têm endereço certo. São colocadas no vaso da arca, em frente às cinzas mortuárias de minha sogra. Em novembro, as flores são mais imponentes, finados, sabem como é. Ele chega sempre ao anoitecer, afinal, encontra-se com a amante durante a tarde. Os dois filhos bastardos, que têm com ela, acreditam que o pai trabalha durante a noite.

Desde que meu filho voltou para casa, a uns dois anos e meio, eu só consigo dormir depois de uma boa dose de tranquilizantes. E como o sono só chega ao amanhecer, eu acabo mesmo trocando o dia pela noite. Meu belo marido, dorme no quarto ao lado" o sono dos justos", ronca a noite inteira.

Uma vez por semana minha psiquiatra vem à minha casa. A depressão está em um grau tão profundo, que eu já não saio nem mesmo para ir ao consultório médico.

Mas eu não quero justificar nada. E a vizinha, jamais saberá que pessoa alguma gostaria de ter uma vida igual a minha.

 
 

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