MÁSCARA PERFUMADA
(A farra do boi)
Glauber Ramos
 
 

O dia do boi

E o grande animal desceu à terra. Possuía longos chifres dourados projetados em espiral, o pelame liso e negro, de uma escuridão equiparável às trevas que se derramavam sobre as noites do primeiro homem, aquele que se fez chamar Adão. Em sua testa reluzia uma estrela de prata, insígnia distintiva da sua casta longeva.

Meneou sua enorme cabeça, rasgando o ar com seus chifres pontiagudos. Arrastou por um longo tempo sobre o asfalto seus quatro cascos, dotados de uma densidade plúmbea, fazendo levantar uma espessa cortina de fumaça que recendia à enxofre. O fez de tal maneira que já não era mais possível distinguir qualquer objeto num raio de cinqüenta metros. Em meio à fumaça, eis que surge um homem trajando elegantes vestes negras e com a face oculta por uma máscara, a qual trazia em sua fronte uma pequena estrela prateada. O boi vai celebrar a sua obra.

Um elegante salão de festas, reduto freqüentado anualmente pela alta sociedade durante o carnaval. Serviram-lhe uísque na entrada. Pessoas cochichavam aos cantos, algumas mulheres soltavam gritinhos histéricos, a esta altura já entorpecidas após meia dúzia de taças de champanhe. O boi agora meneia sua cabeça humana, saudando a quem lhe dirige o olhar. A face oculta, o ser misterioso parece atrair a atenção de todos.

A jazz band aquece seus instrumentos. Em poucos minutos os casais avançam pelo salão. Ele caminhou em direção a uma mulher que sorria despudoradamente. Cochichou algo em seu ouvido. Ela tomou-lhe o copo de uísque, ingeriu o líquido e saiu rodopiando em meio aos casais. Subiu na mesa de jantar, e aos berros começou a se despir. Todos ovacionaram. O boi seguiu satisfeito.

Escondidas num quarto, três garotas divertiam-se com um vidro de lança-perfume. Esguichavam o produto sobre um lenço, para em seguida levá-lo ao nariz. O boi pediu licença, entregando a elas mais três vidros de lança-perfume. Levantou a máscara até a altura do lábio superior, esguichando na boca intermináveis jatos do cloretilo. As três garotas fizeram o mesmo.

Caminhando por um corredor vazio, escutou gemidos atrás de uma porta. Abriu-a cautelosamente, até conseguir entrever o que acontecia. Uma mulher nua, deitada de bruços sobre a cama, enquanto um homem dispunha filetes de cocaína sobre o criado-mudo. Com um canudo de metal, sorveu todo o pó. A mulher se masturbava.

O boi adentrou o quarto, subjugou o homem e adquiriu os seus traços. Deitou sobre a mulher, penetrando-a por um longo tempo. Ela não agüentou. Pediu que parasse, embora o prazer fosse intenso. Desmaiou de cansaço.

Cumprira sua tarefa. Não tardaria para que o dia acordasse. Atravessou o salão em meio aos corpos desabados, alguns seminus, outros prostrados sobre a mesa. A jazz band ainda tocava para alguns casais persistentes. O grande boi, descendente direto da linhagem de Baco, partiu regozijado, a caminhar pelo mundo oferecendo seu banquete de luxúrias.

*****

A máscara que caiu

Tradicional baile de Carnaval do Copacabana Palace Hotel. Em algum ponto da cidade, o plano está sendo colocado em prática:

"Exterminador na escuta! Estou na frente do prédio, mas o alvo ainda não apareceu..."

"Bruce falando! Exterminador, atenção para a roupa do alvo. Não podemos confundir!"

"Certo, Bruce, certo..."

Grande movimento nas dependências do hotel. Um homem olha nervosamente para o relógio enquanto uma nuvem de confetes inunda sua cabeça. Recebe o sinal:

"Exterminador falando! Desculpe a demora, perdi a freqüência. O alvo partiu há quinze minutos. Está usando vestido vermelho e uma máscara dourada, estilo egípcio. Creio que seja Cleópatra..."

"Não! É Nefertiti. Acabou de passar por mim!"

"Trouxe o silenciador, Bruce?"

"Óbvio! Venha logo!"

Os dois homens se encontram na porta do hotel.

"Vamos logo, temos que executar o alvo! Coloque sua máscara, Exterminador!"

Arlequim e Pierrô saem à caçada de Nefertiti. Após algumas voltas no salão:

"Veja! É ela, Nefertiti!"

"Vamos segui-la!"

A mulher entrou no banheiro.

"Vamos esperá-la aqui fora, Exterminador!"

Dentro do banheiro feminino:

"Era só o que me faltava! Uma vadia com a fantasia igual à minha! Vamos, tire logo essa roupa!"

"Tira você, sua piranha!"

"Fique sabendo que eu sou a filha do Governador, ouviu?"

"Grande merda! Olha só o que eu faço com a sua máscara!"

A face de Nefertiti transformou-se em pequenos fragmentos dourados.

"Sua filha da puta! Eu vou te matar!" - no momento em que partia para a briga, tocou o celular. "Você tem muita sorte, sua vadia! Vou ter que sair agora, mas se eu te encontrar novamente..."

"Estarei esperando!"

Pierrô e Arlequim continuavam atentos para o movimento do banheiro feminino. Ao cruzarem com a ex-princesa do Egito:

"Será que é ela? Mas e a máscara?"

"Não sei, Exterminador! Em todo caso vou segui-la. Você fique aqui!"

Bruce seguiu-a. Exterminador continuou aguardando. Nefertiti saiu do banheiro.

"Exterminador falando! Bruce, ela saiu do banheiro. Está se dirigindo para fora do hotel. Venha logo!"

Na calçada do hotel, Nefertiti caminhava despreocupada. Os dois homens se aproximaram cautelosamente, seguindo-a por trás. Exterminador segurou a sua boca. Bruce colocou a arma em suas costas e disparou. O alvo estava executado.

"Pronto, Exterminador! Vamos logo. Amanhã temos reunião com o Chefe!"

"E a outra garota, Bruce?"

"Só uma piranha de carnaval. Saiu acompanhada de três homens num carro!"

No dia seguinte:

"Idiotas, idiotas! Eu devia matar os dois!"

"Mas o que fizemos de errado, Chefe?"

O homem corpulento arremessou o jornal em direção aos dois.

ESTUDANTE DE MEDICINA É ASSASSINADA EM TRADICIONAL BAILE DE CARNAVAL DO RIO

"Puta! Mas como é que eu ia adivinhar que a filha do Governador era uma prostituta, Chefe?"

 
 

email do autor