O DO CAFÉ
Jayson Viana Aguiar
 

Havia um tratorista contratado pela Prefeitura de Quixadá reparando algumas estradas secundárias e veredas da zona rural. Mas acontece que, no sábado, ele sofreu um ataque cardíaco fulminante. A família do tratorista, após ser informada do acontecido, somente pediu ao prefeito de Quixadá que ele pusesse o corpo em um ataúde e que desse um jeito de transportar-lo até Fortaleza, para que ele fosse sepultado lá.

Sobrou para Camargo, assessor do prefeito para assuntos diversos.

Cidade pequena; tudo difícil. O assessor conseguiu um ataúde sabe lá onde; nem sonhou em lograr um atestado de óbito que o fórum, o posto de saúde e mesmo a delegacia fechavam no fim de semana; e, dos cinco carros da prefeitura, quatro estavam quebrados e o último estava sendo usado pelo prefeito.

O jeito foi pegar seu próprio carro para fazer o traslado do corpo até Fortaleza. Tirou o banco traseiro da Rural e acomodou o caixão lá. Tacou-se para Fortaleza antes que o defunto começasse a feder.

Contudo, no meio do caminho havia um posto da polícia rodoviária. Com um sorriso matreiro nos lábios, o guarda mandou Camargo parar. Carro velho, sinal que o do café estava para sair. O guarda pediu documentos, examinou todos os faróis, verificou pneus, observou limpadores de pára-brisa, conferiu o extintor de incêndio, certificou-se dos cintos de segurança: tudo na mais perfeita ordem.

- Inteira esta tua Rural - comentou o guarda, triste por não ter encontrado nem problema de ferrugem no carro de Cardoso; triste por não ter como ganhar o do café.

Camargo recebeu os documentos de volta e já havia dado partida no carro, quanto escutou o guarda novamente.

- Só mais um momento - o policial estava novamente comum sorriso matreiro nos lábios. - O que é que carregas aí?

- Estou levando este corpo para Fortaleza. O defunto será velado e enterrado hoje.

- Cadê o obituário?

- Não tem - o assessor gaguejou, um pouco nervoso.

- Então não há como seguir.

Cardoso já entendera o que o policial queria, porém, o assessor era feito de uma forja antiga, que não gostava de trapalhadas. Não iria dar toco para policial algum. Ele desceu da Rural, abriu a tampa traseira do carro e solicitou uma demão ao guarda.

- Dá para o senhor me dar uma força. Segura as alças do caixão deste outro lado.

- Que pretendes fazer? - Foi a vez do policial gaguejar.

- Vou deixar o defunto aí contigo!

- Por quê?

- Não está tudo certo com a Rural?

- Está!

- Não é o defunto que está irregular?

- Exato.

- Então tu somente podes apreender o finado. Fica aí com ele que eu vou com minha Rural avisar a família do morto que hoje não dá para ter enterro!

- Homi, pegue o falecido e vá simbora - implorou o policial, quase dando o da vela do velório.

 
 

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