VAMOS COMBINAR
Mariazinha Cremasco
 
 

"A morte não é a maior perda da vida.
A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos."

(Norman Cuisins)

Muitas vezes fico nervosa com meu filho mais novo, dizendo que ele é estressado, nervoso, e que sofre por antecipação. Até parece que sou muito diferente dele. Sei que falar é facil, mas na prática, a teoria é mesmo outra. Penso e já idealizo a situação.

Então me flagro dando conselhos, dizendo frases feitas do tipo: "deixa a vida me levar, vida leva eu". E sorrio, pois sei que não é assim tão simples. É uma questão de personalidade, gênio, ou até mesmo - quem sabe - genética.

Fiz um longo discurso dia desses. Contei uma historinha, que é absolutamente verdadeira. Na realidade, acho que estava falando para mim mesma, pois talvez eu precise mais do que ele, ter a certeza de que este nosso comportamento ansioso e desesperado com pequenas coisas, não nos leva a nada.
Eis o meu discurso:

"-Sabe, filho, um dia eu fui pra Europa, fiquei vinte e oito dias longe de vocês três. Era julho, e passei o seu aniversário de oito anos lá. Em Londres. Liguei pra você de uma cabine vermelha, característica da cidade. Lembra do meu telefonema?

Foi minha primeira viagem internacional. Antes de embarcar, quase me matei de trabalhar. Quis deixar tudo lindo e pronto para meus pais, que ficaram na nossa casa os vinte e oito dias, tomando conta de vocês. Para dar a eles o máximo de conforto. Até comida pronta e congelada deixei. Por tanto estresse, fiquei doente no dia de embarcar.

Mas fui. Fui e amei conhecer lugares que eu jamais sonhara ver um dia. Encantei-me. Espanha, Itália, França, Inglaterra, Alemanhã, Suíça, Portugal.

E aí? Passei boa parte desses vinte e oito dias pensando em como encontraria vocês. Será que estariam bem? Será que algo aconteceria de ruim? No fundo, segundo psicólogos, eu não me achava "merecedora" de tanta felicidade, de tanta coisa boa. Conhecer sete países da Europa? Eu? Uma menina pobre, criada por pais simples? Na Europa? Aquilo para mim era um sonho, eu me sentia dentro dos livros de história.

Final da viagem. Dia da volta. Desespero total. Eu tinha o pressentimento de que algo muito ruim aconteceria. Primeiro, achei que o avião cairia. Não caiu. Peguei um taxi no aeroporto de Cumbica, o motorista corria tanto, pensei que íamos bater feio, e que morreríamos no trajeto. O carro não bateu. Nada aconteceu. Quando entrei na nossa rua, estava inteira, minhas malas intactas, os presentes todos lá. (sua mochila de relógio, da Suíça, lembra?, a bolinha da copa do Mundo de noventa e tantas outras coisinhas)

Como nada mais de terrível poderia me acontecer, pensei em ver a casa toda em cinzas, depois de um incêndio apagado. Nada. A casa estava inteirinha. Aí esperei o vô e a vó me receberem com cara triste, desenxabidos, sem saber como falar que um de vocês estava morto, ou que um de vocês estava no hospital, ou que... tragédias. Muitas tragédias me vinham à mente.

Meus pais abriram a porta, com um largo sorriso no rosto, e uma comidinha boa no fogão. Percebi que nada de ruim tinha acontecido. Meus pais estavam bem. Meus filhos estavam bem, ainda no colégio, tudo nos conformes.

Foi quando percebi que, sem mim, a vida também andava. Percebi que não era Deus. Que não era onipotente. Que não sabia tudo. E o pior... que a vida poderia continuar sem mim.

Entendeu, filho?

Não sou um bom exemplo pra você, pois vivo preocupada demais. Libertei-me, porém não de todo. Mas você é bem mais jovem do que eu na época ( tinha 36 anos) e pode, mais depressa, exercitar-se para não sofrer tanto.

Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena, disse o poeta. Sua alma é grande, filho. Basta que você perceba a admiração das pessoas à sua volta. Seja responsável, mas sem exageros.

E assim vamos levando a vida. Ou a vida nos leva? Não importa. Vamos viver o presente, esquecer as coisas ruins do passado, vamos guardar as boas recordações e fazer muito amor. Que nessa vida, a gente tem obrigação apenas de ser feliz."

 
 

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