BORBOLETA NUM COPO DE CERVEJA
(numa sugestão do Maurício Cintrão)
Osvaldo Pastorelli
 
 

à Ana Luiza Peluso

Ele ouvia, até que muito bem. Começou bem pequeno, um som ao longe, de leve, chicotadas finíssimas em seu ouvido. Ouvia apenas, ainda não sentia e muito menos via, o som num farfalhar de asas frágeis. Foi quando vislumbrou um borrão amarelo com pintas pretas se aproximando, até que seus olhos espantados puderam distinguir as formas das asas de uma borboleta. Sim, era uma borboleta amarela que, lentamente, cortando o ar com suas afiadas asas, pousou na borda do copo de cerveja. Sua mente, decodificando a cena, transmitiu aos lábios as palavras que ele disse meio espantado:

- Nunca vi borboleta gostar de cerveja.

Ao mesmo tempo em que a última palavra dita se dispersou no ambiente de vapor, a cena se desfez totalmente, não como grãos de areia que pelos dedos do tempo escorresse, mas como uma série de fatos numéricos se transformando em outras formas, em outra cena que se concretizou aos seus olhos, estampando seu rosto no espelho embaçado, escandalosamente pendurado na parede do banheiro.

No espelho quebrado ele viu o seu rosto ensaboado e nesse mesmo instante a borboleta lentamente alçou vôo e pousou em seu ombro esquerdo. Houve um estremecimento que a pele, numa espécie de prazer, emitiu ao toque das finíssimas pernas picando levemente e num gesto leviano, sem pensar, sua mão indo em direção à borboleta no intuito de espantá-la, o gesto incompleto ao toque suave de lábios quentes e sensuais.

- Não faça nada, não olhe, continue se barbeando - disse a voz gostosa em seu ouvido.

- Quê!? Além de gostar de cerveja, borboleta fala?!

Mentalmente perguntou espantado.

- Não sou eu que falo, é a sua imaginação.

- Nossa, me excedi, preciso me controlar da próxima vez.

- Se houver próxima vez

- Sempre haverá a próxima vez, é só eu me controlar.

- Se quer mesmo que haja a próxima vez, fique quieto e deixe sua imaginação livre e solta.

E quieto ele ficou ouvindo, precisamente, sentindo o toque dos lábios quentes e sensuais percorrendo as suas costas em pequenos beijos e leves mordidas, que o faziam esquecer o tudo e o nada, a agir sem pensar, sem noção de tempo e espaço, abandonado ao abraço que conduzia suas ações como imortal, se perpetuando num desejo de nunca terminar mais. E se deixou levar, ora sentindo os beijos quentes gostosos, ora sentindo a suave carícia das mãos percorrendo regiões que nunca desbravadas escorriam sensualidade e prazer, seu coração palpitando acelerado, sua respiração ofegante, preparada para cada movimento, para cada gesto, para cada momento de carinho, os prazeres aflorando na quentura doce que subia de sua virilha, fazendo com que seus olhos se dirigissem para baixo. Ao mesmo tempo não ousou olhar, não ousava nem falar e mudo e cego entregou-se desvairado, quando ouviu a voz lhe dizendo:

- Está pronto? Preparado?

- Sim, estou preparado, respondeu arfante, ansioso por saber como seria seu comportamento, e ao ouvir a respiração em sua nuca, ficou sabendo que seus músculos tensos deveriam se relaxar e foi o que fez, procurou livrar-se da tensão. Num ímpeto, suas mãos se retesaram, apoiadas no ladrilho do banheiro. A quentura que sentira na virilha, agora invadia todo o seu corpo num espasmo controlado e cadenciado, o suor escorria pelo seu rosto embaçado, seus olhos tentavam ficar abertos, mas aos poucos foram se fechando, cansados.

- Obrigada, disse a voz feminina, você foi fenomenal.

Quis responder e não conseguiu, seus olhos se fecharam de uma vez e antes que a escuridão tomasse sua mente profundamente, viu a borboleta voando.

Quanto tempo ficou desacordado? Não sabia responder, acordou cansado, corpo molhado de suor, esticou a mão e desligou o rádio-relógio, como era aconchegante a cama, pensou sonolento. Levantou-se, tomou um bom banho e sentindo-se mais leve, mais descansado, pegou uma cerveja e um copo e sentou-se na sala, ligando a televisão. Encheu o copo e começou a percorrer os canais com o controle remoto, quando viu a borboleta amarela pousar na borda do seu copo...

 
 

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