MOMENTO ÚNICO
Bruno Pessa
 
 

Não sabia mais a quem apelar. Tudo de mais batido já havia tentado, de mensagens no guardanapo do barzinho a chocolates na caixa em forma de coração. Continuava à deriva, e parecia que as ondas ao redor ficavam mais assustadoras. Já não esperava a fila andar, acumulando potenciais alvos para as próximas investidas. As férias de fim de ano começavam animadoras, levando-o a crer que Papai Noel não falharia.

Nas últimas semanas, duas metas ocupavam seus pensamentos. A primeira foi descoberta no churrasco da faculdade, de cabelos presos e papo avançado. Não desgrudava da cerveja, mas valia a embriaguez. A segunda vinha correndo no parque municipal, sempre no mesmo santo horário. Ele nunca conseguia adentrar aqueles rápidos olhos verdes, mas era capaz de perder a barriga em uma semana. Como verão combina com esporte e festa, tava na hora de chutar a zica pra escanteio.

Dezembro entrando, o bom velhinho anuncia: a primeira vai se formar, com direito a festa até o café da manhã. Ele já podia imaginar seu grande salto, de mero conhecido, que chega de bicão, a acompanhante oficial, que sai ganhando biscoitinho da formanda na boca. A barriga não mais lhe preocupava - o smoking podia dar um jeito nela. Era hora de concentrar esforços e atenções na chance de ouro, vestida num longo cor prata, desta vez com inéditos cabelos soltos.

Como pôde cuidadosamente sondar, não havia qualquer galo velho cercando o terreno. Algumas danças depois, notou também que não se notavam azarões como ele. Assim que viesse a primeira baladinha para dançar a dois, seria incisivo. Difícil era agüentar a seqüência de axé e dividir a prenda com amigas próximas e passinhos sucessivos. Até ela cansou, resgatando o sorriso dele, ainda mais depois do convite para cumprimentar uns amigos em sua companhia.

Fazer um social era importante não só para mostrar presença, como também para, fatalmente, provocar a percepção alheia de que estavam juntos. Já nem mais prestava atenção se via vestidos pretos ou vermelhos, smokings ou blazers em sua frente. Depois dos rituais da ocasião, viriam as surpresas da noite. Porém, o imprevisto lhe escapou ao controle quando, despretensiosamente, encontrou aqueles rápidos olhos verdes, que desta vez lhe davam tempo para penetrá-los à vontade.

Foi o bastante para travar. Como as duas se encontram, depois de tanto sacrifício para ele conseguir separá-las em sua mente? Como elas se conhecem há anos, depois de ele ter estado a minutos de correr para o abraço e algo mais? Como elas podem se formar na mesma turma, depois de ele ter se tranqüilizado com o fato de que, se a festa não vingasse, haveria o parque a recorrer - e correr?

Nada havia de concreto, mas não dava para abstrair. Bastou os olhos verdes perguntarem se não se conheciam de algum lugar para ele gaguejar, olhar a barriga, fechar o smoking e procurar pelo banheiro. Atordoado, quase fez o taxista errar a rua de casa. Festa de formatura, solteiro, em temporada de caça múltipla, nunca mais.

 
 

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