ANALOGIA DO CAOS: REFLEXOS DE ALGUÉM
Camila Moura
 

"O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí."
Álvaro de Campos

Olho-me no espelho e vejo a mulher ordinária, o vaso quebrado, os valores deturpados. Vejo o cabelo escovado, os olhos caídos, a mente inerte (mistério ou desespero?). Procuro respostas, e me acho sozinha, tateando meu próprio vazio num desespero lascivo; vejo a sombra do que poderia ter sido, tento resgatar em vão os segundos perdidos.

Toco a minha pele amarga, sinto o cheiro do rum debaixo das minhas unhas vermelhas. Vivi nos lastros daquela que em verdade eu fui, e a minha garganta reverberava nuns apelos doentios.

Olho-me no espelho e sinto o bafo viciado do homem moderno, e rasgo-me em sonhos Nietzschianos. Sinto mais uma vez o peso do destino paradigmático do caminho único, e da Sociedade transcendente que se ri. Olho-me no espelho e me vejo medíocre. Essa Era de Heróis não passou de uma farsa, qual fui esmagada como meus idênticos tantos. O homem é um erro, a individualidade é névoa, a revolução, utopia.

Havia morrido, e ninguém chorava. Tampouco notaram que estava às moscas. Como me expressar o sentimento se não o há?! De fato, que me importava. Meu corpo se estende nuns devaneios racionais.

Olho-me no espelho e me vejo defunto ordinário, de ilusões pretensamente decompostas. Agora entrelaço as minhas frases decoradas a visões juvenis, e escancaro a fresta pela qual me viam. Meu superego se dissolve em lágrimas vazias, e meu corpo está confortado. Olho-me no espelho e me pergunto se vejo a liberdade. Por fim estaria liberta de toda aquela paranóia urbana?! Ah, pois sim, tudo que havia dito se transformaria em verdade, e essa seria a sua constante. Estava suspensa em mim mesma, e me deixei por fim levar antes que me afogasse.

Olhei-me no espelho, e me senti ignorante e rude. Uma ignorância medíocre, que me importava?

Havia morrido, e nada de fatal havia nisso, meu caminho estava comprado e garantido. As horas passavam, e os ponteiros teimavam em correr para o mesmo lado. Olhava-me no espelho porque queria.

Corria o olhar pelo meu nariz grande, pelo cabelo crespo e escovado, pelas bochechas magras e pelo colo sujo que me via refletir, até pousar em meus dedos ossudos, minhas unhas quebradas de nojenta plástica. Nada havia além do véu.

FATALIDADE: Um dia a unha do meu dedo anelar direito quebrou, ainda com o esmalte fresco.

Meu peito doeu. Vejo a mulher ordinária, o vaso quebrado, os valores deturpados.

Olho-me no espelho e vejo a mim a pulsar, a chorar escondida, a minha busca incansável por poesia e beleza. Vejo aquela mulher disforme, manca, a busca incansável pelo expoente (ridícula).

A minha morte se faz lembrança tosca mitologia.

 
 

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