CUMPLICIDADE
Márcia Ribeiro
 
 

Todos os dias Matilde aparecia no ponto final da linha Caxias/ Freguesia. Já se tornara comum a presença da mulher, silenciosa e cabisbaixa, àquela hora da noite, sempre na mesma hora, numa atitude, a princípio bem suspeita, como que se escondendo por trás de uma das pilastras que sustentavam o pequeno abrigo construído para os passageiros.

Os mais antigos acostumaram-se com o comportamento de Matilde e já não davam importância quando algum curioso tecia comentários sobre ela. Romero, o Fiscal do ponto, apesar de ser um homem de atitudes bruscas e, às vezes, contraditórias, era o único que permanecia em silêncio perante a situação que se repetia dia após dia, durante os últimos seis meses.

Mas em determinada noite, Matilde surgiu vestida como se fosse participar de uma grande festa, dessas em que os convidados se vestem à rigor. Como não poderia ser diferente, a cena chamou a atenção de todos no ponto de ônibus. Não havia quem não parasse para observá-la e tornar a cena ainda mais curiosa.

Matilde sorria e, como se uma música tocasse somente para seus ouvidos, começou a bailar sob os olhares fascinados de algumas pessoas, principalmente dos que vinham acompanhando a rotina daquela mulher. Bailava, cantava e sorria. Neste instante, Romero cochichou algo com um dos motoristas, despiu-se de seu jeito zangado e, se dirigindo à mulher, convidou-a para uma contra-dança.

A surpresa foi tamanha, que até os carros que passavam ali perto começaram a parar e, num instante, todo o trânsito à volta estava congestionado. Porém, o som de uma sirene já se ouvia ao longe. O som inconfundível de uma ambulância que, com o congestionamento provocado pelo inusitado da situação, tentava chegar ao local desejado com muitas dificuldades.

Quando, enfim, a ambulância chegou e os enfermeiros postaram-se ao seu redor, Romero conduziu Matilde até eles e pediu, gentilmente, que os dois cavalheiros a conduzissem ao baile de formatura de seu filho, no que os enfermeiros atenderam prontamente e, não se deparando com resistência por parte de Matilde, seguiram para a Clínica de Repouso Bom Jesus.

Os olhos de cada transeunte traduziam as mesmas perguntas: Quem era aquela mulher? O que, afinal, estava acontecendo ali? Romero, no entanto, apenas dirigiu-se ao motorista com quem havia falado antes, agradeceu e despediu-se, seguindo, a passos lentos, em direção desconhecida. Alguns quarteirões adiante, Romero entrou na grande vila de casas humildes e prostou-se em frente a uma delas. Bateu palmas e foi atendido por sua irmã mais velha.

- Janice, Matilde já foi internada na Clínica, de novo. Vamos avisar mamãe que desta vez, possivelmente, nossa irmã não poderá ser retirada de lá. Vamos ver se agora ela consegue se conformar de vez com a morte de seu filho.

Os irmãos se entreolharam e, através de suas lembranças, reviveram a triste cena do sobrinho sendo atropelado e morto, quando se dirigiam para a formatura de colação de grau do jovem.

 
 

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