ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE
Pedro Luiz Cipolla
 
 

"Quem tiver algum impedimento para este casamento que se manifeste agora, ou cale-se para sempre".

Eu, na primeira fila da igreja, tinha todos os motivos do mundo para levantar o braço e acabar com aquela farsa, mas naquele momento me calei.

Já não era a primeira vez que uma amante minha casava e eu, maquiavelicamente, ia ao casamento e depois ainda, cara de pau, à festa abraçar aos noivinhos. Toda aquela cerimônia não adivinhava o que até na noite anterior se passara entre mim e essa mulher, que tive em meus braços gemendo de prazer. Conheci seu corpo, cada centímetro, cada milímetro, por onde passaram minha boca e minhas mãos, em tantas noites de orgia.

Bem que ela me dizia que um pedido meu cancelaria esse casamento e ela ficaria comigo para sempre. O noivo? Ora, o noivo... Ela jurava que eu era o homem de sua vida e o que fazia comigo não tinha feito com nenhum outro homem.Para ela, eu era seu único amor e sua perdição.Por mim faria qualquer loucura.

Mas até então eu não queria assumir essa responsabilidade. Depois que Dalva morrera, tão tragicamente, eu nunca mais amara a ninguém. Depois dela muitas mulheres passaram pela minha vida e eu só soube me dar ao prazer de desfruta-las. Como dizia um amigo meu, de usa-las.Talvez por medo de me apaixonar de novo. Na verdade eu nem sabia direito o que estava fazendo naquela igreja. Eu não deveria ter ido. Na verdade, eu odiava igrejas.

Quando a noiva passou por mim, toda de branco, de braços com o pai, seus olhos faiscaram em minha direção, tão emocionados, que cheguei a sentir um misto de ódio e pena daquela mulher que cedera aos caprichos de uma sociedade hipócrita, só para se dizer mulher casada. E no fundo, pena de mim mesmo, por medo ou covardia, de não ter conseguido amar outra mulher, depois da trágica morte de Dalva.

O coral, o noivo, os padrinhos, no altar com todas aquelas imagens de anjos e santos, compunham o quadro patético e melodramático de mais um casamento "abençoado" pela Igreja. Não sei, aquilo tudo, o cheiro doce das camélias, a triste lembrança de Dalva, foi mexendo comigo, minhas mãos começaram a suar, meu coração começou a bater descompassado. Afinal, essa moça que estava casando, não me era assim tão indiferente. Nos relacionávamos há muito tempo. Convivera com ela desde o tempo em que ela ficara noiva desse rapaz, esse infeliz.

Sentia-me culpado por fazer parte dessa história e até então não ter tomado atitude alguma.

Parece que o padre sabia, e repetiu: "Quem tiver algum impedimento para este casamento que se manifeste agora, ou cale-se para sempre".

Aquela frase me martelava a cabeça com a estranha sensação de "dejà-vus". Era o momento de esquecer tudo, até da trágica Dalva, enterrar o passado e dar uma nova chance a mim mesmo, amar de novo e quem sabe àquela mulher, que também deveria me amar, e muito. Ela, que dizia abandonar tudo, a qualquer momento, para viver comigo. Quando tomei coragem e decidi me manifestar não tive tempo sequer de levantar o braço. No altar, o noivo sacou de um revólver e disparou dois tiros à queima roupa contra a noiva. A última coisa de que me lembro é daquele lindo vestido branco todo manchado de sangue.

Não adianta, acho que não dou sorte para as mulheres, pois, coincidentemente, foi esse o mesmo fim trágico que Dalva teve.

 
 

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