VIVER ETERNAMENTE? PRA QUÊ?
Raymundo Silveira
 
 

Únicos seres a ter consciência da sua duração transitória, os humanos tinham de criar uma ilusão de perenidade. De acordo com os existencialistas, essência, ou conhecimento intelectual e existência, ou conhecimento sensível, são as vigas mestras onde se apóiam os conceitos de "ser" e de "não ser". Que, por conseguinte, transcendem à própria noção de existir. Algo, portanto, para muito além do simples conceito de eternidade.

Ora, se até a possibilidade de existir é questionada, o que dizer de alguma coisa cuja duração não tem fim? Que prescinde de qualquer determinação cronológica, pelo menos enquanto idéia aplicável à vida?

Mas a "eternidade" existe. Nunca pela definição semântica dos dicionários. Nem pela fantasia de duração perene. Eternidade é também não esperar nenhum futuro, nem tentar equacionar questões do passado. É sim, admitir e suportar que o tempo é hoje, aqui e já. É esperar que os outros nos deixem ser e deixar que sejam também.

Cada pessoa é dona da sua própria filosofia. Quanto a mim, prefiro uma açucena agora a um ramalhete de dálias amanhã ou ao buquê de margaridas que me deram ontem. Por outro lado, a matéria só tem lógica enquanto há vida. Ainda assim há quem diga que esta não tem sentido, apenas porque não dura para sempre. Ela tem sentido, sim. Um grande amor não perde o seu encanto porque um dia vai deixar de existir. Do mesmo modo, a vida não perde o seu valor por causa da aniquilação total que fatalmente virá.

Viver é um privilégio excepcionalmente maior do que ser eterno. O único sistema lógico no universo é a matéria viva. São incríveis a coerência e a ordem dessa lógica, quando confrontadas com a anarquia cósmica. Uma rocha é quase eterna. O que é uma rocha comparada com um ser vivo? Este é o resultado de um acaso feliz e quase impossível. Como se tivesse sido sorteado na loteria do infinito. Quantos átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio existem no espaço? Impossível sequer conceber. Então, os átomos e as moléculas que formam uma única célula do corpo são o prêmio incomensurável desse sorteio.

Estou certo de que viverei muito tempo e muitas vezes. Mesmo que morra amanhã. Porque cada minuto meu é uma vida. Embora, entre um e outro minuto haja um preço, relativamente alto, a pagar. Não acalento nenhuma esperança de viver eternamente. E tenho dúvidas de que escolheria essa opção se ela me fora oferecida.

 
 

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