SHERAZADE
Tatiana Alves
 

Em um minuto ela estaria ali novamente. Contaria uma história, dançaria, tiraria os véus, e novamente o seduziria. Ele não podia matá-la, não pela ânsia de conhecer o final da história, mas pelo fato de ela ter sido a única a tê-lo de fato amado. Conhecia-o tão bem quanto às narrativas que, em sua boca, pareciam música. Olhos oblíquos e sensuais, talvez uma ancestral da Capitu machadiana, gostava especialmente de dançar à luz do luar. Quando a lua estava cheia, então, parecia também atingir o apogeu. Um fulgor apossava-se da moça, levando o sultão ao delírio ao lhe acompanhar o movimento dos quadris. De favorita passara rapidamente a única. Daí o desejo de matá-la, que se volvera em obsessão, ofuscado pela luminosidade do amor. Precisava dela mais do que tudo , e por isso tinha de matá-la. Não tencionava destruí-la como fizera às outras pelo temor de ser traído, mas porque não suportava a dependência trazida por aquele amor tão à flor da pele. Mas matá-la significava matar uma parte de si mesmo, talvez a mais bela. E assim, a cada noite Sherazade, múltipla e plural, contava-lhe uma história, antes de despertar-lhe os sentidos com a dança. Sua coreografia, bem como as narrativas com que o embalava, era diferente a cada noite. Cada vez mais sensual, cada vez mais cativante, a Medusa das arábias trazia-o na palma da mão, situação nada conveniente para um sultão. Desvairado de paixão, perdera o juízo ao se casar com ela. Não consumava o casamento, pois sabia que o passo seguinte seria a morte. E quanto mais adiava o amor, mais a desejava. Estava irremediavelmente apaixonado, e fingia dormir para que ela, julgando-se salva, fugisse rapidamente. E assim ambos, moça e amor, escapavam da sanha assassina do sultão.

Mas um dia Sherazade, que também o amava, não se rendeu ao falso sono do sultão. Despertou-o de um modo como só as mulheres sabem fazer, e viveram uma autêntica noite das arábias. Cânticos e lendas não dariam conta do que houve naquela noite, nem nas que a ela se seguiram.

Desde então o sultão foi um novo homem. Reza a lenda que isso se deveu às histórias contadas por Sherazade. Mas qualquer um que visse os olhares que trocavam saberia que não foi bem assim. Mas isso é outra história.

 
 

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