ROSEIRAS DE NOVA IORQUE
Carlos Bruni
 
 

Perdido em pensamentos, o velho olhou desanimado para o canteiro de rosas sendo tomado pelo mato. Ainda que a presença do neto correndo pelo jardim trouxesse alguma alegria, era difícil encontrar forças para superar esse momento de dolorida lembrança. Mesmo assim, prometeu a si mesmo que tão logo pudesse iria providenciar uma poda nas roseiras e a limpeza do terreno.

Em seu desalento, subiu os três degraus que levavam ao alpendre da casa detendo-se defronte a porta da entrada. Ao abri-la, uma cálida corrente de ar escapou do interior e agitou seus cabelos grisalhos. A sala mergulhada na penumbra recebia tímidos raios de sol que vazavam das venezianas numa inútil tentativa de retardar a chegada da noite. Seus passos lentos sentiram as tábuas do assoalho rangerem como querendo revelar-lhe segredos até então ocultos. Pegou do jornal sobre a mesa para em seguida largá-lo, desinteressado em saber o que se passava no mundo lá fora.

Foi até a cristaleira e apanhou a garrafa de um velho conhaque. Servindo-se de pequena dose, procurou pela poltrona preferida na sala contígua onde se acomodou, langoroso, olhos fechados como se procurasse apagar da mente o turbilhão de pensamentos que o fustigava.

Voltou a ficar atento quando, alheio ao estado de espírito do avô, o menino entrou no aposento. Sentando-se sobre o tapete, começou a brincar com dois carrinhos numa longa e imaginária estrada.

A tristeza do homem pareceu aumentar contemplando o neto, como gostava de fazer juntamente com Beatriz, sua mulher, nas poucas vezes em que o garoto vinha visitá-los. Essa contradição se justificava pelo fato de ela não se fazer mais presente naquela casa. Nesse dia, completava-se um ano de sua morte e nem mesmo a presença do menino trazia-lhe algum lenitivo.

Desanimado, o velho levantou-se. Depois de colocar o cálice sobre a mesa foi para a cozinha e abriu a porta que levava ao quintal. Serelepe, o neto correu na frente sumindo na noite que sorrateiramente havia chegado. Um lampejo de vida passou por seus olhos cansados ao ver o abacateiro, a jabuticabeira, o limoeiro e o pé de romã displicentemente espalhados pelo terreno. Por toda uma vida amou aqueles preciosos palmos de terra e, suas rosas, suas árvores, tudo fora o complemento de uma existência dividida com a mulher. Sempre tivera ciúme, sim, por todas elas. Os moleques da rua organizavam incursões ao pomar, fazendo-o mostrar uma raiva teatralmente ensaiada. Mas gostava deles, cultivando uma secreta satisfação pelas invasões. Admitia ser o sabor da fruta roubada melhor do que o daquela que se ganha.

O neto reapareceu nos galhos de uma das árvores, feliz, passando um pouco dessa felicidade para o avô. Sentiu pena do garoto agora morando numa casa de um subúrbio de Nova Iorque. Tinha gramado, churrasqueira, mas não tinha abacateiro, limoeiro ou pé de romã. Não tinha lugar para passarinho.

Quando do desenlace, lembrou-se, seu filho quis levá-lo para morar nessa casa, idéia imediatamente rejeitada:

- Não, não quero sair daqui. Vejo sempre na televisão que lá faz um frio dos diabos. Não gosto do frio. E depois, onde iria plantar minhas roseiras com toda aquela neve? Onde?

No entanto, sabia que o tempo sempre ensina lições doces ou amargas. Estas, estavam mais próximas do que desejaria. Com pesar, via altos prédios aproximando-se de seu quintal. Era apenas uma questão de tempo para ver suas árvores abatidas, árvores para as quais meninos-passarinhos, crescidos como o seu, não voltariam mais.

Agora, havia o neto. Devia-lhe as árvores. Poderia, também, ensiná-lo a plantar roseiras num quintal da longínqua Nova Iorque.

 
 

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