VERDE? DE QUÊ?
Elaine Brunialti
 
 

Conheci dia destes uma mulher e sua filha.

No meu trabalho conheço muitas mulheres e muitas filhas, então nada demais conhecer mais duas. A mulher trazia muitas receitas médicas, um olhar triste e cabisbaixo, vinha em busca de auxílio.

No meu trabalho sempre vêm mulheres tristes e cabisbaixas em busca de auxílio, então nada demais chegar outra mulher e suas receitas. Esta mulher aparenta uns 25 anos, é mãe de 3 filhas, casada, o companheiro ausente.

No meu trabalho aparecem muitas mães, mulheres de companheiros ausentes. Na primeira vez que a mulher chegou por lá levava duas filhas, a mais velha e a do meio, perguntada sobre a caçula informou: está internada.

No meu trabalho sempre chegam mulheres com filhas mais velhas e do meio, deixando as pequenas internadas. Nesse dia o chinelinho da mais nova arrebentou, ela chegou descalça, fazia frio.

No meu trabalho é comum chegarem mulheres e filhas de chinelinhos em dias de frio. Conseguimos então, um par de sapatinhos, doados bastante usados mas inteirinhos.

No meu trabalho é difícil doarem sapatinhos usados mas inteirinhos. Grande demais para a pequena, no tamanho ideal para a mais velha que se foi quase feliz de sapatinho cor-de-rosa.

No meu trabalho não podemos doar sapatinhos para filhas descalças, doamos sim remédios, entretanto naquele dia, desobedeci às regras. Na segunda vez que vi aquela mulher ela trazia sua bebezinha, pequena, aparentando uns seis meses no máximo, porém descobri que já tinha quase um ano e meio de vida.

No meu trabalho muitas crianças aparentam menos idade, seqüelas da doença, mas esta era pequena demais. Olhando um pouco mais para aquela mulher esquálida, percebi que tanto ela como sua bebezinha tinham os olhos fundos, sem brilho, a pele sem cor, macilenta e descobri que a maior doença daquela família se chama fome, elas estavam ali verdes de fome, como me confidenciou a mulher.

No meu trabalho sempre atendemos muitas crianças doentes, muitas famílias carentes, mas nunca havíamos atendido uma família inteira e uma bebezinha, prestes a morrer, de fome! Esta família agora está sendo assistida, graças ao esforço de algumas entidades. A pequena não corre mais risco de morte e já sorri, ganhou 400 gramas e cresceu 3 centímetros. A mulher também mudou, ganhou um pouco de cor, também sorri e está mais falante, com muita esperança de que a vida, de agora em diante, vai melhorar. Mas ando me perguntando até quando, dentro da nossa pseudocondição de seres humanos e inteligentes, vamos continuar a ver de longe pessoas morrendo, verdes de fome.

O paraíso poderia ser aqui.

 
 

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