OS OLHOS VERDES DE MEIRE
Ronaldo Torres (Tom)
 

Os olhos verdes de Meire suspiram por um outro mundo além da Ladeira Grande. Seus pensamentos cavalgam sobre as nuvens brancas que pincelam o infinito azul, na vã tentativa de fazer seu corpo levitar e flutuar ao sabor do vento e desaparecer na linha do horizonte e pousar silente tal qual uma estrela cadente rasgando o céu, se extasiando em terras alhures, onde piscam luzes de néon como uma galáxia em festa.

Em tempos passados, a mesmice do lugar não era contundente porque não havia outras referências, mesmo sendo a solidão um estado de espírito permanente. A televisão, que fora considerada por alguns intelectuais como a máquina de fazer doido, passou a ser a máquina de fazer sonhos. O Tempo é real e mostra, ao vivo, um outro mundo onde as coisas acontecem e as pessoas não se limitam apenas a acordar para ver o dia passar e depois dormir com as galinhas para sufocar suas angústias e desejos.

Rosimeire Cruz de Andrade, ou simplesmente Meire, em Sampa, tirou o máximo proveito dos seus quinze minutos de fama: foi eleita a rainha da noite em badalados pub's, freqüentou restaurantes da mais fina cozinha internacional e posou feliz ao lado de gente famosa. Andou de metrô, lanchou na Mc Donald e tocou delicado nas nuvens com as pontas dos dedos, do alto de um arranha-céu, aquele prédio alto que deixa a gente lá embaixo parecendo formiga caminhando para o formigueiro. É a imponência da criação humana que mostra ao homem sua própria insignificância.

Sobre as nuvens, no retorno para casa, sentiu-se a própria Cinderela ao fugir da festa antes da virada da noite: todo aquele mundo de brilho encantado se transformaria em uma simples abóbora roída por ratos. Só que a Cinderela, por um simples descaso, teve seus sonhos realizados. Não que lhe faltasse um príncipe. Não. Este, ela já tinha. Sonha apenas com outros reinados que, junto ao seu príncipe, seria rainha.

Resignada, lembrou-se do terceiro capítulo de Eclesiastes: "Há tempo de nascer e tempo de morrer. Há tempo de plantar e tempo de se arrancar o que plantou. (...) Há tempo de chorar e tempo de rir. Há tempo de afligir e tempo de dançar".

O Tempo, sempre ele, senhor e dono absoluto dos nossos anseios e angústias, timoneiro interativo do barco do nosso Destino. Quando seria o seu tempo de rir e de dançar?

Ventos do norte sopram, ao seu ouvido, versos do poeta americano Thomas S. Eliot, transportando-a para quatro quartetos, em outra áurea dimensional, surrupiando-lhe o alento dos versículos bíblicos:

"(...) O gênero humano
Não pode suportar tanta realidade,
O tempo passado e o tempo futuro.
O que poderia ter sido e o que foi
Convergem para um só fim, que é sempre presente".

Em outra estrofe, a contundência aguda dos versos é como um balde de água gelada jogado sobre seu espírito ávido por mudanças:

"No imóvel ponto do mundo que gira. Nem só carne nem sem carne.
Nem de nem para; no imóvel ponto onde se move a dança,
Mas nem pausa nem movimento. E não se chame a isso fixidez,
Pois passado e futuro aí se enlaçam. Nem ida nem vinda,
Nem ascensão nem queda. Exceto por este ponto, o imóvel ponto,
Não haveria dança e tudo é apenas dança".

Seria esse lugar em que vive e mora o "imóvel ponto do mundo que gira"? Se aqui, passado e futuro se enlaçam, que é do seu presente? Uma negação ou uma abnegação? Nada faz sentido quando afloram os sentimentos compulsivos de liberdade. Em suas divagações interiores incorpora a certeza de que veio ao mundo para ser protagonista e não para fazer figuração; nasceu para brilhar, e não para se ofuscar na clausura forçada das necessidades. Por causa desta constatação, aumentam a sua aflição e o seu temor de que a realidade seja mais pesada do que sua quimera e esmague sua plantação de sonhos feito ervas daninhas em um campo abandonado pelo seu dono.

E os seus olhos marejam suspiros de resignada tristeza, evaporando no ar tal qual o orvalho da manhã sobre as folhas verdes da relva refletidas em sua retina.

 
 

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