RELAÇÕES VIRTUAIS
Virgínia Círchia Pinto
 

Sempre que ouço alguém tecer comentários sobre a Internet, mundo cibernético ou comunicação on-line, penso sobre a mudança que esta nova realidade trouxe à nossa vida.

No início descobri os e-mails. Alguns amigos tinham esse tal endereço eletrônico e comecei a conversar com eles como se trocássemos cartas, bilhetes e recados. Sempre gostei de escrever e fui pegando gosto pela coisa. Inúmeras vezes, mandar um e-mail era melhor do que telefonar, por que a pessoa poderia ler e responder na hora em que lhe fosse mais conveniente. Hoje, para mim, telefonar passou a ser mais complicado do que usar a Internet. As poucos fui descobrindo cada vez mais este mundo. Minhas filhas tinham amigos virtuais. Uma delas jogava xadrez on-line com um amigo virtual da Malásia. Sentavam ao mesmo tempo no micro e trocavam casas, davam xeques, enquanto um contava ao outro, em inglês, como era viver em seus tão peculiares mundos.

- Mãe, vem ver. Olha que legal!

Confesso que ficava deslumbrada com a possibilidade de existirem seres humanos plugados de tão inovadora forma. Já havia aprendido com elas, a navegar por sites de meu interesse. A descoberta do Google foi quase que um delírio. Eu procurava de tudo. De receitas culinárias, museus, países, artigos científicos, músicas, partituras musicais a jornais. Tenho mania de ler jornal. Imagine agora eu ler jornais, no plural. Descobri jornais das cidades do interior onde morei, o New York Times, El País, Le Monde, Clarín. Nossa, quanta informação! Parecia que o mundo agora estava sempre ali, ao alcance dos meus dedos. Mas era novidade e, como toda, foi encontrando seu equilíbrio.

Um dia, tomei coragem e entrei numa sala de bate-papo. Foi como descobrir que havia uma geração inteira, a minha, acompanhando a evolução e procurando todo tipo de interesse por trás de uma tela que parecia apenas virtual, mas era guiada por mãos humanas. Há de tudo nessas salas. Desde gente procurando sexo virtual - acreditem, tem gente que pratica sexo virtual! - a pessoas carentes demais, tristes demais, alegres demais, mentirosas demais, verdadeiras demais. Fiz inúmeros amigos virtuais. Alguns se tornaram reais. A história mais impossível foi o casal de Portugal, que quando fui a Paris e não consegui vôo por Portugal, não exitou em fazer uma viagem especialmente para nos encontrar e conhecer. Houve também o inglês que tinha cinco filhos e uma esposa. Gostavam de conversar com a brasileira que falava com eles e trocamos, até hoje, cartões de natal, de aniversário, de férias... As crianças deles me mandavam mapas explicando em qual ilha da Inglaterra moravam.

No dia 11 de setembro, enquanto o mundo se chocava com as imagens e a comunicação praticamente ficou paralisada, acompanhei pelo ICQ o meu amigo brasileiro que trabalha num banco em Washington e estava preso em sua sala. As notícias eram tão contraditórias, pois ele via os caça-aviões sobrevoando a cidade e, tranqüilamente, recebia as ordens de quem comandava a ordem no prédio, em tempo de pânico. Ele me dizia que não conseguia telefonar para o Brasil por que todas as linhas estavam mudas e que naquele momento estavam dando ordens para descerem à cafeteria, pois o estoque de alimentos dela estava acabando e não sabiam se poderiam ir para casa naquele dia. Depois veio a notícia de que a estação de Metrô que ele pegava para ir para casa tinha sido bombardeada. Acompanhei com ele as horas. Foi liberado para ir para casa e não sabia se iria a pé ou de carona. Enquanto não recebi notícias no dia seguinte, não me tranqüilizei.

No meio deste universo conheci o site de escritores amadores que participo até hoje. Formei amigos escritores. Existiram pessoas que depois de uma primeira conversa nunca mais tive notícias, outras se tornaram amigos verdadeiros e num determinado momento tive um namorado real que conheci através da Internet.

Preconceitos à parte, o mundo virtual é exatamente como o real. Nele existem pessoas de todo tipo, tal como aqui nesta cruel realidade. Quem não conhece o mecanismo deste novo mundo tende a julgá-lo, rechaçá-lo e ao tentar desbravá-lo, poderá descobrir-se deslumbrado ou até mesmo iludido com os navegantes piratas deste oceano.

Cabe a cada um usar seus recursos íntimos para permear este universo, tal qual um quarto escuro. Entre nele devagar, vá tateando para não tropeçar, cair ou até mesmo, se machucar. Permeie o desconhecido com bom senso e lucidez. Por que fatalmente...

Se você ainda não tem Internet, um dia terá!

 
 

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