CONFISSÃO DE OUTONO
Luciano Tadeu de Almeida
 
 

"Eu sou um homem doente... Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creio que tenho uma doença do fígado. Alias, não compreendo absolutamente nada da minha moléstia e não sei mesmo exatamente onde está o mal."

(Dostoiewski - do conto "O SUBSOLO)

Por que o que acontece nos ilude tanto?

Raul Pompéia suicidou-se, Euclides da cunha foi assassinado pelo amante de sua esposa, Carlos Drummond de Andrade foi chamado de ignorante por causa de seu poema "A PEDRA NO MEIO DO CAMINHO", Fernando Pessoa era uma pessoa triste, Lima Barreto só foi reconhecido depois de morto... No começo de sua carreira, Agatha Christie foi negada em muitas editoras. Monteiro Lobato achava que o escritor Mário de Andrade não era um escritor de qualidade.

Por que o que nunca aconteceu não nos ilude de forma alguma?

Cá estou eu: metafórico, iludido, supersticioso, neurótico, experimental, funcional e asmático. Talvez eu seja um romântico, talvez eu seja um anarquista ou um católico fervoroso.

A minha vida é uma sesmaria; o meu raciocínio, um terreno alagado. Me afogo em constantes enchentes. O que eu faço com esta molição que me toma de assalto?

Cá estou, mal compreendido e repleto de acontecimentos que não me alcançaram.

O que ficou por acontecer será que acontecerá?

Leitores, sou um panteísta fazendo malabarismo com a gramática. Um sonhador sem sonhos e tão místico!

Às vezes tenho sede e não necessito de água, mas de comida.

Homem da cidade que sou, desconheço o campo. Não conheço nem o canto do sabiá laranjeira que mora na árvore enfrente do meu quarto. Nunca ouvi um galo cantar na minha vida.

Sou um homem que fico me contradizendo dia e noite.

Os ateístas tem seus santos de carne e osso e os agnósticos não estão cá nem lá.

Quem ficou talvez tenha se perdido.

Quem está certo?

Por que sempre esperamos que alguma coisa aconteça?

Por que sempre achamos que a culpa não é nossa?

Cá estou, amigos leitores... cá estou velho e jovem em substância comum de vivência simples... cá estou... cá estou eu comigo mesmo e com todo mundo neste mundo onde ninguém se conhece.

A solidão de quem tem companhia é a mais profunda das solidões deste mundo.

A solidão de quem está só não dói tanto assim.

O que me deixa triste também pode me alegrar.

Amigos leitores, o que é que deixa uma pessoa triste?

Algumas vezes, até sem motivo algum, ficamos tristes.

Luteranos, batistas, budistas, metodistas, carismáticos, católicos, judeus, adventistas... digo-lhes: não tentem persuadir-me, estou em paz comigo mesmo. sempre estive em paz comigo mesmo.

O que é a verdade realmente?

Em algumas partes do mundo, Luteranos odeiam católicos e vice-versa. Carismáticos se acham superiores aos adventistas e vice-versa. Qualquer religião tem a sua crença como a certa e as demais como erradas. Dividimos o Cristo e nem percebemos isso. Quantos Cristos existem no mundo, amigos leitores?

O que é a verdade realmente?

Estou cansado de observar a certeza absoluta que muitos religiosos tem de tudo.

Este pastor que já esteve na cadeia por assassinato e estelionato quer me ensinar a ser bom e andar pelo caminho certo. Eu que nunca matei ninguém e nunca fui estelionatário.

Estou cansado de tanto papo furado. Não aceito a hipocrisia.

Confesso que sou humano e não tenho certeza absoluta de nada.

Vejam o que Freud disse sobre a religião: "a essência da religião se constitui numa piedosa ilusão da providência e numa ordem moral de mundo em conflito com a razão."

Cá estou, em silêncio, escutando o agir do outono... As folhas que se espalham me deixam iludido...

O que é a ilusão?

Tudo tem que mudar... Sopra vento, sopra, sopra... como faz frio aqui em São Paulo, meu Deus!

Vivo repleto de filosofias que não compreendo... Estou cheio de amores que não me foram correspondidos. Chamam-me de burro, vagabundo e muitas outras palavras de baixo calão que não posso escrever aqui, leitores.

Não sei por que insisto em dizer a coisa certa para quem pensa errado. Tantas vezes fui medíocre ao ser sincero!

Será que a sinceridade é medíocre, amigos leitores?

O que é a mediocridade?

Talvez a mediocridade não exista.

O que é gozar de plena saúde?

Nunca fiz uso da profilaxia, por isso sou doente. Sou um doente que desconheço a minha moléstia. Sou um doente incomunicável a medicina. Minha doença é além da doença. Minha doença não é doença.

O que é o sexo, para as mulheres?

Muitas mulheres irão me odiar por isso, contudo direi: muitas mulheres usam o artifício do sexo para conseguirem o que querem de um homem.

Vejam bem o que me disse uma jovem de 22 anos, depois de ingerir uma boa quantidade de vinho em um sarau: "na cama eu consigo o que quero. Trabalho num bingo. Conheci um empresário casado de 65 anos. Transei com ele. Ele gostou de mim. Moro num apartamento sozinha que ele paga o aluguel. Ele me prometeu um carro. Até a carta de motorista ele está bancando pra mim... Eu só preciso transar com ele e pedir o que eu quero que ele me dá."

Agora prestem atenção neste pensamento de Freud: "A grande questão, que nunca encontrou explicação e que ainda não consegui desvendar, após trinta anos de pesquisa da alma feminina, é esta: Que quer a mulher?"

Disse alguma mentira, leitora amiga? O que você achou do que me disse esta jovem? Como você se comporta com relação aos homens? Quando você sai com um homem para jantar você fica contente se ele paga a conta sozinho?

Prestem bem atenção, amiga leitora, eu não estou julgando ninguém. Eu, até agora, não disse nada. Só estou perguntando.

Podem me chamar de machista. Eu sei que eu não sou machista.

Por favor, me digam: o que é o feminismo?

Vamos mudar de assunto. Não quero confusão. Sou uma pessoa sem opinião. Não entendo de nada. Não sei de nada.

Quem é que sabe alguma coisa nesta vida?

Para os homens, o que é o sexo?

Ninguém é igual a ninguém e os homens insistem em dizer que todas as mulheres são iguais.

O amor é algo que não existe, mas que tem uma ação e uma reação... Mas como pode uma coisa não existir e ter uma ação e uma reação?

O que é a lei de causa e efeito?

Hodiernamente não tenho sido circunspeto comigo mesmo, mas não tenho me iludido com os que me chamam de egoísta... Nunca neguei nada. Só não fiz o que não estava ao meu alcance.

O que é ser egoísta, leitores?

Sinto que oportunidades tem me sido negadas, mas não odeio os que me negam oportunidades na vida. Não guardo rancor dos que me odeiam sem motivo. As más-línguas que insistem em me prejudicar não despertam mais a minha atenção.

Anunciando-me não fico oculto na sombra do meu passado. Com 31 anos, sou novo a cada dia e sempre que posso.

Sou humano também. Já disse que sou humano. Respeito o meu semelhante.

A fim de que julgam-me os que não concordam comigo?

Coisas da vida, positivas ou negativas, aceito todas elas.

Tenho obras-primas que nunca escreverei.

O futuro fica em mim como ação necessária ao presente.

O futuro não é o futuro... O futuro é o agora. Amanhã, quando eu acordar, estarei no presente que irá acontecer. É esta ação que não age mas que sempre ficará por agir que complica tudo.

Confesso a vocês, amigos leitores: a vida tem me obrigado a ser diferente do que eu sou... e eu não sei fingir ser o que eu não sou.

Nunca consegui um emprego a minha altura. Em Subempregos fui muitas vezes chamado de inútil e de incapacitado.

O que é ser incapacitado sendo um subempregado?

O que é ser inútil, leitores?

Tudo na vida tem a sua utilidade.

O que importa o que não aconteceu ainda se é o agora que nos faz ser?

O chauvinismo começa e termina no radicalismo. O que querem os chauvinistas?

O que é amar realmente uma Pátria?

Será que a nossa Pátria nos ama?

Amigos leitores, sei que eu não sou escritor. Tenho escrito somente para passar o tempo. Algumas pessoas tem me chamado de poeta, mas sei que eu não sou poeta. Nunca fiz um poema se quer.

O que é a poesia? Não sei o que significa poesia ou poema.

O que é ser escritor? Não sei distinguir o ser alfabetizado do ser escritor.

Sei que alguns escritores pensam que são escritores mas não são escritores e aprenderam a ganhar dinheiro fingindo ser o que não são.

Será que basta acreditar para que as coisas aconteçam?

Às vezes sinto que ganhar dinheiro é sorte e não capacidade. Mas o que é a capacidade? Será que somos todos capazes?

Amigos leitores, percebem como o meu texto é ridículo e medíocre?

Só sei me contradizer.

Sou uma pessoa sem tempo e não faço nada. Talvez, se eu fosse uma pessoa ocupada, tivesse tempo pra fazer tudo que eu quero fazer.

O que aconteceu de melhor na minha vida tem me deixado triste porque não teve duração... E eu não sei o que aconteceu de melhor na minha vida, leitores.

Tudo foi tão breve! O que dura pra sempre não é o que há de melhor na vida de ninguém. Tendo certeza disso, descobri que não tenho certeza de nada.

A fé da gente muda: às vezes é pouca e às vezes é demais. Fé demais não move montanha alguma; fé de menos não muda nada.

Aprender é descobrir o quanto não sabemos. Descobri que aquele que pensa que sabe tudo é o que menos sabe das coisas.

Viram, amigos leitores. Só escrevo o que vocês já sabem. Não sei escrever mais nada. A possibilidade que tenho de acontecer é quase nula. Ninguém acontece pensando como eu penso.

Ninguém precisa ter medo de mim. Não entendo nada de política e não sei o que é a filosofia. Estou apenas tentando escrever; não confundam as coisas. Não passo de um simples cidadão de classe baixa sem recursos para poder estudar. A única coisa que aprendi foi que de tudo que consumo pago imposto e o governo não se importa comigo e nem com a minha classe.

Pois é, amigos leitores, eu não sabia que o que eu estou escrevendo não tem nada a haver com política e filosofia. Nunca estudei política ou filosofia ou qualquer coisa. Como poderia saber?

Todas as conseqüências são ímpares. Se sofremos a dor é porque esta dor que sentimos é só nossa; ninguém irá senti-la. Se estamos felizes a alegria é só nossa também; é impossível dividi-la; não confundam alegria mutua com a divisão da alegria. Somos egoístas neste sentido. Todos somos egoístas quando pensamos nos outros.

Quero ser breve. Sou uma pessoa sem assunto. Sou completamente inútil, amigos leitores. Vocês estão vendo como eu fico enrolando neste texto?

A minha vida não tem importância pra ninguém.

Percebem como o que eu escrevo é besteira?... Pois bem, amigos leitores, os críticos literários me acham um merda. Os críticos literários sabem que eu sou uma merda, mas é pra eles e não pra mim. Sei o meu valor e ninguém irá tirar isso de mim. Não preciso ter valor pra ninguém. Um amigo me disse, certa vez, que os críticos literários são escritores frustrados. O que vocês acham dos críticos literários, leitores?

Não tenho lido nenhum livro importante e nem folheado revistas, somente tenho passado a vista em algumas páginas de jornais cheios de notícias passadas. Hoje em dia, o que aconteceu tem me interessado muito. Não consigo ver o futuro... e o presente? O presente me interessará um dia, amanhã talvez.

Tenho sido mentiroso ao extremo. Tenho sido egoísta ao extremo. Tenho sido pedante. Tenho sido falso. Tenho sido ridículo. Tenho sido inútil. Tenho sido tanta coisa! Vocês perceberam, leitores amigos?

Quero cair no esquecimento. Não quero distribuir minhas pobrezas e minhas mazelas. O que sei eu da vida? Os críticos que sabem tudo sobre a vida. Todos os críticos são pessoas extremamente cultas. Mas o que é a cultura?

Será que nós, pessoas do povo, podemos ter cultura também?

Estudei em colégio público a minha vida toda. Será que aprendi alguma coisa?

Nunca usei um pijama de vinte e cinco mil dólares. Nunca comi caviar. Só sei falar português. Nunca fui à Europa...

Será que eu sou gente também?

Nunca li Freud, Jung, Kant, Maquiavel, Martinho Lutero, Rousseau ou a Bíblia. Me encantei sim, e porque não, com alguns poemas de Patativa do Assaré.

Será que eu tenho o direito de ter alguma oportunidade na vida?

Amigos leitores, sempre fui medíocre.

Percebem como eu estou me contradizendo neste texto? Vivo me repetindo. Escrevo mal... O que eu escrevo é besteira, leitores. Tudo neste mundo é besteira. Vocês viram alguma coisa de valor no que eu escrevi, amigos leitores? Pois se viram foi sem intenção alguma que eu escrevi. Sei que não disse nada querendo dizer tudo e não me importo com isso. Por que deveria me importar, amigos leitores? Escreverei mais. Preciso escrever mais. Escrever só por escrever, não sou escritor mesmo. quero escrever o que me der na cabeça. Uma vez me perguntaram se eu sabia o que era o dadaísmo.

O que é o dadaísmo, leitores? Eu não sei nem quem eu sou, como poderia saber o que é o dadaísmo.

Que venham os críticos e me crucifiquem. Eu não sou Jesus Cristo... não sou Jesus Cristo mas também não sou Judas Iscariotes. Nem Pilatos... nem Tomé. Eu sei quem eu sou, amigos leitores. Ninguém pode tirar de mim esta certeza que tenho de mim mesmo.

Não tenho tido vontade de conversar com as pessoas. Os diálogos não tem me interessa mais. Eu sou uma pessoa solitária.

Vocês perceberam, não?

Leitores, podem rir de mim. Podem ofender-me. Nem sei porque estou escrevendo isso.

Talvez eu precise escrever.

Eu sei que eu sou louco, senhores. Explicar-vos-ei de onde vem esta minha loucura: sou obsessivo e toda esta obsessão que eu tenho não é minha... é de alguém que eu não conheço.

Mulheres, não percam tempo comigo. Eu sou feio. Não sou romântico. Nunca mandei flores. Não sou romântico e nem malandro... Uma vez tentei ser romântico, mas me acharam ridículo.

O que é ser romântico?

O que é ser ridículo?

Mulheres, há algum tempo li um livro chamado "Mulheres Inteligentes, escolhas insensatas." Por que muitas de vocês estão insatisfeitas com seus companheiros? Por que muitas de vocês escolheram estar com parceiros errados? O que é o casamento? O que é a insatisfação conjugal?

Uma vez vi na televisão uma mulher de malandro dizer: "qualquer malandro faz uma mulher ir às nuvens de prazer." - Esta mulher estava na porta de um presídio quando disse isso para o repórter, iria fazer uma visita intima para o seu marido. Como estava demorando para poder entrar no presídio, ainda teve tempo de confessar que apanhava muito dele antes de ele ser preso. "As mulheres gostam de homens ricos ou então malandros." - Disse-me certa vez um senhor casado e com boa colocação social, pai de três jovens mulheres. Respondi que não concordava, que ele estava generalizando.

Agora pergunto-lhes, amigos leitores: o que significa generalização?

Sou uma pessoa doente. Não sei por que estou escrevendo tudo isso. Será que faz sentido?

Escrevam-me, me mandem e-mails.

O poema CICLIZAÇÃO, de Mário de Andrade, não me sai da cabeça: "Alô?/ Dava dez mil réis por um copo de leite."

"Ah! Toda a Alma num cárcere anda presa,/ soluçando nas trevas, entre as grades/ do calabouço olhando imensidades,/ mares, estrelas, tardes, natureza." - Vocês já leram este poema de Cruz e Sousa? Ele era filho de escravos e foi ele quem deu início ao simbolismo no Brasil. Meu Deus, mas por que eu estou dizendo isso?
Perceberam como eu mudo de assunto facilmente?

Não sou escritor. Sou ridículo mesmo. Desconheço os limites da sensatez e me completo no sem limite que acaba comigo. Ninguém precisa me dizer que falta perspícuidade em meu texto. Eu sei que sou um ignorante metido a culto. Sei que sou pedante.

Mas por que eu insisto em falar de mim?

Será que eu estou falando de mim mesmo?

Que loucura meu Deus!

Leitores, acho que vocês devem estar de saco cheio de lerem este texto. Não quero chateá-los mais. Terminarei-o aqui.

 
 

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