À PRIMEIRA ROSA DA AURORA
Marlon Macarini
 
 

Há certos momentos na vida em que, para resgatarmos uma alegria saudosa, devemos nos render às nuanças das lembranças.

Lembro-me que há muito a percepção era o sentido essencial à felicidade.

Outrora tive uma vida, e não me reconhecia. Sorria, e o fazia com demasiado fervor, alheio a qualquer profundidade bíblica. Deitava-me à sombra de uma árvore travando contra o vento uma luta idílica, babujando os frutos doces do amanhecer da vida. Nunca gostei dos meios. Vivia numa primavera constante, mas fatigavam-me, às vezes, tantas rosas lascivas e olhares ternos. Meu primeiro outono abateu-me como um espelho.

Vivia feliz, era sincero e não temia a chuva. Não conhecia o poeta cujo verso purificou-a, mas sentia a simbiose do choro com minhas alegrias. Foi assim que me resignei à solidão.

Distante dos afagos e dos interesses, confesso nunca ter aspirado à perfeição. Porém, arrebataram-me os teus olhos, tal como o torpor provocado pelo absinto. Entreguei-me à volúpia deles reconhecendo assim uma profundidade apocalíptica.

Destilando os venenos do êxtase e sorvendo-os nos teus lábios nivosos, paralisei-me ante a fulgurância de tua calma.

Todo e qualquer ímpeto de solidão outrora requerido fora desvanecido. Senti o fervilhar da morte em meus dedos outorgando-me vida. A intensidade do teu corpo era abissal.

Buscava aliviar minha verve carregada de abdicações. Sempre postergando minha liberdade, cria que o amor era neófito de Sócrates.

Destarte pus-me a ter com a primeira rosa da aurora, mãos à feição de conchas e olhos ternos ante a transparência do infinito, confessei: Não existe vida nem aquém, nem além do amor.

 
 

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