KLAUS MARIA
Eduardo Prearo
 

3 de agosto de 2776, São Paulo.

Da janela cor-de-púrpura, Klaus Maria olhou furtivamente para a paisagem árida, de concreto, poeira, vento e desolação. Resolveu sair, refrescar a mente em algum jardim artificial, mas uma amiga, Penélope, atravessou a porta do quarto para contar-lhe algo.

--- Olá, Klaus Maria, entrei assim, é que estou ansiosa.

--- Sem problemas. Cheguei da lua anteontem. Muito trabalho na auditoria lunar. Os trens para lá estão ficando cada vez mais rápidos.

--- Como? você não tem dinheiro para tomar um microtáxi espacial?

--- Não.

--- Que pena, Klaus Maria. Achei que as coisas ficariam melhores para você. Posso imaginar o que andou aprontando em outras vidas. Trago-lhe uma missão.

--- Missão? Penélope, estou em uma dureza desgraçada! Estou liso, leso, louco, querendo dinheiro emprestado e pedindo o troco!

--- Vai, vai, a vida é dura para quem é mole.

--- Está bem, chefinha.

--- Já estou sem o corpo denso há décadas, porém continuo lhe dando ordens, não é? Perdão. Precisamos de alguém que vá até o Peru libertar um povo oprimido por um tal de Keilua Koo. Você terá de se infiltrar na aldeia blindada do ditador. Entrará como um clone de EP; aliás, a semelhança entre EP e você é impressionante!

--- EP? Ah, aquele inseto do século vinte e um?

--- Inseto não, veja a essência oculta nele. Keilua Koo tem EP como um deus, ainda não sabemos o porquê.

--- Sim, e quando parto?

--- Agora. Vá até este endereço e pegue seu material, depois parta. Parta!

--- Ok.

Três horas depois, Klaus Maria chegou à Lima. Pegou uma foto de EP e se sentiu o próprio, sentiu-se um clone do elemento. De onde vinha tanta semelhança? De Lima a aldeia, Klaus foi de carro. O clima era sequíssimo e cactus gigantescos ornavam a paisagem. Klaus, então, divisou uma estrutura semioval vermelha e concluiu que era a aldeia. Parou o carro e desceu. Percebeu que estava sendo observado por câmeras flutuantes, havia centenas delas ao seu redor. Uma porta da estrutura se abriu e surgiu uma linda mulata:

--- Acompanhe-me EP. Os sensores identificaram-no como EP. Que esteriótipo, hein? O senhor se identifica com seu esteriótipo?

--- Sim, mas pra mim mesmo.

--- Como?

A população pareceu-lhe tristonha, escrava. As pessoas andavam superdevagar, carregando coisas. Klaus não se alterou e continuou sua caminhada atrás da mulata, rumo ao gabinete de Keilua Koo, que quando o viu, exclamou:

--- Oh, EP, EP!

--- O clone.

--- Sente-se. Vou tratá-lo como um deus. Há fotos suas pela aldeia toda, não reparou?

--- Sim. Tadinho do original. Acho que vou me candidatar a prefeito, sabe. Mas como vocês gostam desse EP não sei das quantas! Keilua, antes de mais nada, por que tanta gente triste, triste?

--- Estão fazendo greve de fome porque se recusam a olhar para o cara das fotos, no caso, você, EP. Mandei que carregassem o ouro, como castigo, entende?

--- Tire minhas fotos dessa aldeia, Keilua. Ninguém gosta de um cara feio desses. Parem de me cultuar. Não fique os obrigando a fazerem o que não querem.

--- Está bem, está bem, EP. É uma ordem. Agora vá e descanse.

Klaus dormiu muito, umas 18 horas pelo menos. Acordou rodeado de orquídeas cor-de-abóbora. Meditou um pouco e pensou em Penélope. Não iria libertar e partir, iria libertar e ficar, morrer ali. Largaria o emprego na lua. De súbito, a campainha de sins nordestinos (última moda em Paris) tocou e uma mulher verde entrou:

--- Senhor, Keilua me pediu para entregar-lhe este anel de diamante azul. Ele quer ser seu amigo íntimo. Aceita?

--- Sim, aceito, aceito.

E Klaus Maria tornou-se uma espécie de príncipe naquela aldeia, libertando o povo oprimido...

 

email do autor