NOVELA
Helder Maldonado
 
 

Genival chegava em casa mais uma vez. Era sexta feira. Ele, cansado de tanto soldar carros na linha de montagem aonde trabalhava, só pensava em um bom banho, em um bom jantar, uma gelada garrafa de cerveja e em boas notícias no Jornal Nacional e, depois disso, em uma noite agradável com sua esposa.

Marli, a aplicada esposa de Genival, estava a cozinhar um dos cardápios prediletos do maridão, arroz, feijão, carne seca e salada de alface. Simples, mas ele gostava assim. Simples. Um beijo às seis. Era o primeiro do dia.

Após o banho, o abridor arrancando com violência a tampa da garrafa marrom escura, que até hoje são usadas para a comercialização de cerveja e tubaína, fazia o empenhado soldador da Ford se sentir um rei. O cheiro da comida invadia toda a casa. Enquanto isso, William Bonner anunciava que o dólar baixou. Quando a esposa de Bonner, Fátima Bernardes, anunciaria a contratação de uma nova estrela para o Corinthians, da cozinha resplandecia uma voz feminina. "Venha jantar, amor". Era sempre assim. Simples, mas ele gostava.

Com sua garrafa de cerveja a tira colo, Genival encaminhava-se para a cozinha, que era o cômodo mais próximo da sala de sua casa. Servido com prazer pela mulher, ele já salivava ao ver que, além do cheiro, a comida tinha uma ótima aparência. Um muito obrigado, e a primeira de muitas garfadas. Comeu em um súbito silêncio, interrompido apenas por indagações do tipo "Como foi seu dia". A resposta, exceto por problemas muito graves, sempre era positiva. Talvez não tivesse realmente sido muito agradável o dia, mas era sempre essa a resposta.

Genival, após repetir a refeição, arrotou de leve, enquanto mastigava um palito de dente. Marli tirava os pratos da mesa, se apressando em lavar a louça, já que a novela começaria dentro de dez minutos, e hoje era o dia do último capítulo. Muita apreensão na casa. O marido, como era de praxe, não ajudava nesses afazeres. Se retirava da mesa, subia até a sacada da casa e fitava as estrelas. Às vezes, quando dava sorte(ou azar) tinha a companhia de seu vizinho de parede, o Lúcio. Lúcio era dono de mini mercado. Esses mercados de bairro, no qual o principal lucro é obtido quando a compra do mês dos moradores, que geralmente preferem fazê-las em super mercados, está no fim.

Lúcio, corinthiano roxo e doente, bem como Genival, sempre puxava assunto. O soldador da Ford, quase sempre de bom humor, dava continuidade a longos 15 minutos de divagações sobre futebol, Fórmula 1, economia, mulheres e família. Há muito tempo os dois já se conheciam; eram vizinhos desde que se casaram, em 1992. Lúcio tinha dois filhos, o Lucas e o Luciano. Genival, por um problema no útero de Marli, não tinha nenhum. Pensou em adotar uma criança, mas mudou de idéia, logo em seguida.

Passado cerca de quinze minutos, Genival desceu as escadas de sua casa, pegou mais uma cerveja e acompanhou sua mulher no último capítulo da novela. Não que ele gostasse de novela, e nem sequer assistia, mas era o último capítulo. O último capítulo ninguém deveria perder, segundo Genival. Tudo bem que ele não conhecia muito bem a trama, mas entenderá, assistindo o derradeiro capítulo, porque sua mulher chorou tanto em sextas feiras - capítulo - final - de - novela. Nada de especial acontece, mas é interessante. Segundo Genival, assistir a reprise, tradicionalmente veiculada no sábado, que é chato. Isso por que, no bar, no sábado de manhã, todos já sabem.

O último capítulo se arrasta por uma hora, e Marli chora com o que acontece com o personagem principal. Ou será que ela chora por ser o último capítulo? Nem Genival sabe. Nem ela mesmo sabe. Genival não vê razão para chorar. E ele espera impaciente o fim do capítulo, para subir para o quarto e ter uma inesquecível noite de amor com sua esposa.

Acaba a novela. O casal sobe para o quarto. Marli ainda discute pontos essenciais do último capítulo. Genival, após três garrafas de cerveja, está impaciente. Eles trancam a porta. A novela da vida real começa. Ele se esforça para não chorar, enquanto ela já não vê mais graça nenhuma neste capítulo final do dia a dia.

 
 

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