ABSINTO DA INTIMIDADE
Juraci de Oliveira Chaves
 
 

Nyna volta para casa depois de um longo período afastada a conselho médico para cura de um estresse conjugal. Ao entrar percebe a casa desalinhada, cheia de poeira como se não mais fosse habitada desde que viajara para o nordeste. Desordem total. Compreendeu que isso era normal visto os homens serem desajeitados para lidar com as práticas domésticas. Só ficara ele e a coelhinha Mel. Depositou a bagagem no sofá e foi entrando, cheia de novidades para dividir com o outro que não a esperava uma semana de antecedência. É verdade que a saudade aproxima casais mesmo estando em pé de guerra. Ela estava com saudades acumuladas em cada frasqueira, em cada mala fechada. Deu mais uns passos e estranhou-se com roupas jogadas pelo chão, peças femininas por um canto, cinto e botas por outro, sussurros e risadas a se misturarem com o barulho da água a escorrer pelo chuveiro. Nyna tremeu. Não seria possível isso dentro de sua própria casa. O que estaria acontecendo com o seu casamento? Andava atarefada, sem tempo para a vida a dois, mas isso não justificava esse tipo de atitude. Faltou o diálogo, ela pensa. E agora? Como agir? As interrogações não lhe deram respostas. Arriou-se num canto sem pernas para afastar dali antes que notassem a sua presença. Mas era preciso e rápido. Em poucos minutos fez uma retrospectiva de sua vida taciturna. Não era feliz e culpada não era ela, havia uma outra razão que causava estresse conjugal. Consternada, abriu a valise escreveu um bilhete e depositou-o sobre criado mudo:

Luiz Almeida - peço-lhe o favor de aguardar a visita do meu advogado, ainda hoje para cuidar da nossa separação. Tenham uma boa tarde.

Nyna.

Saiu dali como uma estonteada mal dando conta de pegar a primeira mala que lhe veio à frente. Caminhou sem rumo, sem direção, quase correndo para o lado oposto. Parou e sentou-se num banco do parque isolado.
A paisagem estava opaca. Mais para o escuro negro do que para o cinza. Olhava para as árvores deprimidas e silenciosas. Ela também estava assim. Via sua imagem em cada galho, em cada folha. Repensava aquela, quando adolescente, a correr ziguezagueando, braços abertos, pelo caminho que a levava de sua casa ao córrego fresco de água transparente. Andava um bom tempo molhando os pés nus, até chegar num solitário regaço, seu refúgio secreto. Era ali que deixava a imaginação correr, os sonhos se alargarem, dando passagem às paixões desconhecidas, aos amores estonteantes, aos príncipes encantados. O Luiz se materializou em seu pensamento. Seria ele assim?

Quem fora este Luiz? Não sabia. Fictício esse rapaz bonito de olhos verdes e corpo de atleta a sair de dentro do riacho, subir o barranco e dirigir na sua direção, tentando alinhar os cabelos lisos e enxugar a água que escorria sobre sua face linda. Sempre aparecia em seus devaneios, em sua intimidade, esta sena. Sentia-o colado a seu corpo molhado, ofegante, másculo.

Quase todo final de tarde, lá ia ela para aquele recanto inefável. Muitas vezes flagrava-se duvidando de sua própria sanidade. Só podia estar louca para sentir o que sentia.

A mesma sena se repetia só que agora com um agravante, ela era casada e precisava dar um fim nesta situação incômoda.

Percebia a aproximação de uma intensa intimidade com a solidão.

 
 

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