INTERNO
Luciana Pareja Norbiato
 
 

Um cheiro úmido, rocei um braço no outro após a chuva copiosa que me banhou por horas. O pé macilento de absorver tanta água, e estou longe... Eu queria me importar com as coisas, mas tudo que consigo é sentir a chuva fria e permitir seu toque, subtraindo a presença do guarda-chuva que oporia barreira. A chuva espanta as pessoas das ruas, é tudo o que espero: não quero ter de encarar meus conhecidos, pois não é hora de justificativas banais. Estou na chuva, ensopada, no meio da rua, e não há qualquer explicação para o fato além da minha vontade. Porque enquanto a chuva me força uma lucidez tátil, irrevogável e túrgida, esqueço um pouco do tanto que sofro, sem saber motivo. Eu simplesmente cansei de tentar segurar as estruturas frágeis de uma persona social que me esconde mais do que mostra, que não me ajuda a agarrar o que me é mais caro e me expõe sempre ridícula, mas não o ridículo inerente ao ser humano, portanto lírico. É a estupidez dos pequenos, dos medrosos, dos comedidos e bem-resolvidos dentro dos esquemas fúteis do mundo.

Páro no boulevard, prédios enormes e imponenetes me circundam, com formas modernas a sugerir uma conivência muda, sem interesse, um "deixe ser" sem que eu precise usar subterfúgios ou argumentos. Como se eles não me olhassem (e de fato não me olham, eis o sinistro...). Chuva nos olhos valendo por lágrimas, silencio. Os cabelos grudam no rosto, beatifico-me, não há mais mundo, tudo acaba e começa em mim. Ouço todos os meus ruídos internos, me ouço plenamente, num contato próximo de mim para mim, colando minha pele com chuva no tempo imemorial das dores, eu que não faço a menor idéia de onde quero chegar antes de encontrar a morte. Não preciso de explicações. Sou tão eu agora.

 
 

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