QUARTO ESCURO
Roberto Amancio
 
 

Sentou-se à beira da cama e olhou para o nada, sentia se fraco e tonto...Sua pele ainda sentia tanto...Cada toque. Cada beijo e cada mordida. A boca é o caminho para a alma... um ultimo suspiro, o ar que falta...e o soluço...O suspiro e o êxtase. Como um cego, passou a mão pelos lençóis úmidos e encontrou a carne morna e inerte. Ela vibrava a cada respiração, um tremor sensual e frágil. As costas eram delicadas...ela era delicada como uma ave rara - ele disse-lhe uma vez, ao ergue-la pela cintura - delicada e leve como uma ave rara. Ela sorriu e baixou os olhos, para erguer o rosto para o beijo. Simplicidade é beleza, ele sabia a muito, simplicidade e o que perdura através dos anos...

O quarto era uma câmara secreta suavemente morna e úmida. Podia escutar o som dos corações descompassados, o dela fraco e o dele taquicárdico...A adrenalina ainda fazia sua boca estar metálica . A adrenalina não o deixaria dormir.

Nunca mais...

Ela se mexeu na cama, enrolou o corpo em posição fetal e murmurou algo.Ele a tocou em seu lugar preferido. Os dedos encontraram a curva da nuca, onde a pele era ligeiramente mais fria -ele dizia - por causa da tatuagem. Ela murmurou algo...virou-se na cama expirou com força.

Um terror vítreo invadiu seu corpo. Como menino que se percebe cego, ele notou que ali era um lugar passageiro. Que a segurança do quarto morno era real, porem passageira. Seus olhos em breve seriam rasgados pela luz que estava do outro lado. Onde havia a dor do tapa sem motivo, o choro convulso e a frieza dos lençóis frios. Tremeu percebendo singularmente sua própria nudez. Sentiu os cabelos gelados, grudados nas temporas como louros ganhos em uma guerra vã. Seus cabelos eram a coroa de um príncipe de uma terra que foi devorada pelo fogo. Cabelos enegrecidos pelas chamas.

Afastou a idéia da cabeça.

Deitou na cama e abraçou a mulher. Ali podia sentir um coração brando, diferente do seu que transbordava. O cheiro do suor eram espinhos que protegiam o aroma doce dela. Podia separa o perfume e o seu próprio cheiro e delicadamente sorver o que era ela. Ela se virou na cama, ela colou a cabeça sobre o peito dele. Beijo o mamilo e murmurou - não, ronronou - algo numa linguagem liquida e alcoólica.

Ele, algumas horas antes do sol invadir o quarto, adormeceu.

Sonhou, talvez, com tudo que poderia sonhar dentro daquele universo intimo que era o quarto... Não era apenas o contacto voraz dos corpos que o fascinava. O sexo é um ato de perda e reencontro. O gozo separa do mundo...e nos leva para um lugar quente e aconchegante, porem solitário. Mas é tão nobre poder retornar desse paraíso frágil e encontrar um par de olhos cheios de saudade... Reencontro... Sonhou, com a escuridão morna e liquida do quarto, os som e a pulsação do coração esterno ao seu, mas que o abrigava sem nada pedir. Ser amado, é tudo que importa, não é? Ser amado... Seramado... seramado.

Acordou ainda no escuro. O ar ainda estava pesado, mas havia algo de antinatural. Queria ficar ainda naquela célula única, mas sentia que o tempo se esgotava...lá fora , o mundo frio o chamava... é o tempo de partir.

Virou-se na cama e não encontrou ninguém.

È hora de parti.

Tateou no escuro, encontrado os lençóis enrolados como uma corda e um corpo seco...seco ao seu carinho ...seco ao seu desejo... Ficou em silencio e o relógio digital não emitia nenhum tic...tac... apenas a luz vermelha urgente de um hospital.

Decidiu ficar para sempre no quarto...não partir...não ver...sentir apenas o que viesse até ele...

Inútil.

Sabia que partiria.

Levantou-se e foi até a porta.

Inútil tentar mentir, partiria.

O ar era frio como um tapa e a luz lhe arrancou lágrimas. Sua nudez era um fato que logo, logo seria corrigida. Olhou uma única vez para trás. Nas sombras ela ainda dormia e era tão bela... tão necessária. E tão tristemente distante como uma lembrança remota de infância.

Na rua, já na rua, a chuva fria lhe beijou como uma prostituta amiga. Ele sentiu o ar que penetrar os pulmões como se fosse a primeiro sopro de vida. Chorou instintivamente. E lamentou que o quarto fosse apenas o lugar de passagem.

 
 

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