O SÁBIO E O SURFISTA
Ubirajara Varela
 
 

Meu avô Ildefonso é uma das pessoas mais sábias que conheço. E, infelizmente, faz pouco tempo que eu fui redescobri-lo. Ele é livre. Na juventude de seus 95 anos, ele é um Buda, um ser evoluído. Dono de todo o luxo e de todo o conforto que se faz possível nestes tempos modernos, em que a escassez de tempo e espaço impera, ele não tem horários, não tem casa, não tem parentes; ele não tem rótulos, não tem preconceitos, não tem ressalvas. Ele é simplesmente ele. Fica sentado, observando tudo, testemunhando a vida que se lhe apresenta.

Quando falo isso, muitas pessoas podem achar (e acham!) um tom de desatino em minhas palavras. E se elas descrevem meu avô, estas qualidades lhe são extendidas.

Se o tratam como uma criança, muitas vezes(desrespeitosamente), impondo-lhe novas rotinas, na tentativa de readestrá-lo ao caos do mundo, ele ri, debocha, ou olha com simplicidade e inocência, lá do centro de seu ser. "Ha! Ha! Isso é o que vocês dizem", afirma com classe.

Meu avô Ildefonso é todo ser. Há quem diga que ele vive no passado. Eu mesmo já afirmei isso em outro texto, mas estava equivocado. Ele não está no passado nem no futuro. Ele habita o presente e isso é coisa para poucos. Muitas vezes pensamos que estamos no presente, mas não, vivemos de passado, de lembranças, ou então de expectativas futuras. Mas justo o presente não sabemos aproveitar. Não somos: ou fomos ou seremos. O ser humano é um projeto inacabado. Estamos mergulhados numa espécie de sono profundo, enquanto não despertamos. Raras são as exceções.

Seu Ildefonso é uma delas. Está no presente. Desperto. Ele olha seus pensamentos virem e irem. Seus pensamentos são como as ondas no mar: lembranças de outras marés. Mexem pra lá, revoltam pra cá, não param. Meu avô é como um surfista, por sobre tais ondas. Ele não rema contra a maré. Só se deixa levar, delicia-se nesse movimento extasiante (e como o pensamento é extasiante!). Por isso não o vejo sofrer. Sempre está de bom humor, de cara limpa, com um sorriso estampado na face.

Quando se cansa do surf, ele mergulha novamente dentro do oceano de seu ser. Deve ser por isso que dizem: um sábio é um oceano; um oceano de sabedoria. Mas na verdade ele não é oceano nenhum. Ele é um sábio que ESTÁ dentro do oceano. Está no centro de tudo, testemunhando o marejar, olhando despreocupadamente, alheio às correntes e ondas. Afinal de contas, nada disso é importante. Nenhuma onda que movimenta a superfície. Nenhuma corrente que redesenha o chão do mar.

Esta é a verdadeira sabedoria de vida que ele nos tem ensinado. E poucos a tem percebido.

 
 

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