UNS OLHOS MIXOS
Leila de Barros
 
 

Teus olhos nunca foram a parte que mais me cativa no conjunto todo.

Não me fascinaram ao primeiro momento. Antes, notei tua barba serrada e escura, como um bolchevista típico.

Teus olhos sempre apertados como se temessem ao sol, passaram sempre indiferentes ao meu olhar.

Notava tua fala forte e contundente, que me norteava como uma estrela. A estrela era o teu sinal de força, uma estrela vermelha.

Definitivamente teus olhos mareados tantas vezes não me provocaram dor, nem piedade, apenas espanto.

Uns olhos de nordestino, de sertanejo, olhos de cacto, que abrigam água, ainda que em plena seca.

Não havia oásis em teu olhar, apenas um brilho mixo, mas a voz sempre ecoou forte, como se viesse de dentro de uma caverna.

Teus gestos sempre tomaram conta do cenário, meus olhos fixavam-se neles, esperando sempre a justiça, o novo, o abraço que abrigava um país.

Teus braços se alongavam como palmeiras tentando concretizar sonhos famintos e famigerados.

Tua barba embranqueceu, tua voz está mais rouca, mas teus gestos continuam alongados, com movimentos de regente, em uma regência una, solitária.

Teus olhos buscam um mapa estelar, uma rota de reconforto e respostas que não se encontram nos livros e nem nos cordéis.

Meus olhos buscam a mesma estrela pequena e mixa que sempre vi em teus apertados e sedentos olhos, como areias desérticas.

 
 

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