CARTA ÁS MENINAS!
Virgínia Círchia Pinto
 

São Paulo, 16 de junho de 2005.
Queridas Filhas,

Vocês dormem e estou aqui pensando em tudo o que vivenciamos juntas nos últimos tempos. Depois de três anos de projeto, sangue, suor e lágrimas, hoje entreguei minha dissertação de mestrado.

Como acompanharam, estou há dez dias sem dormir direito, escrevendo sem parar. Agora já passa da uma da manhã e perdi o sono. Estou em estado de graça. É um mix de alívio, cansaço e emoção indescritível.

Hoje cedo, pela primeira vez desabei. Passei quase sem dormir a noite toda, selecionando as fotos da tese e fui imprimir as últimas páginas na copiadora do nosso bairro. Por mais que eu me concentrasse, não conseguia coordenar o número das páginas (eram sete cópias de duzentas e dez páginas cada, em três diferentes tipos de papel e impressão) e acabei misturando tudo. Tomada pelo cansaço, chorei ali, em pé. Em silêncio. Copiosamente. Um funcionário percebeu e veio, delicadamente, me ajudar. Continuei muda, falando pra mim mesma:

- Nada vai me separar da alegria de ter chegado até aqui. Por que sonhei com isto por vinte anos, agora está aqui nas minhas mãos e vou ficar com a parte boa disto!

Quando tudo terminou, estava atrasada em uma hora para o trabalho. Na saída, descobri que tinha trancado o carro, com a chave dentro, pela primeira vez na vida. Respirei fundo e escolhi, mais uma vez, estar feliz naquele momento...

Enquanto esperava pela impressão, havia conversado com uma senhora, cliente da loja. Ela percebeu que eu não encontrava minha chave do carro e foi até ele, viu que a chave estava no console. Perguntou se tinha cópia dela em casa e se era perto. Exausta, por tudo o que passava pela minha cabeça, respondi que morava ali perto e que, graças a Deus, tinha uma cópia.Ela resolveu por mim. Disse estar indo pra lá e que me daria uma carona. Aceitei imediatamente. Quando chegamos na porta do nosso prédio, agradeci e fui descendo. Novamente ela assumiu o comando:

- Não senhora! Vá buscar a chave que eu vou te levar de volta.

Tive a sensação, por um instante, de estar na presença de uma mãe. Obedeci. Peguei a cópia da chave (que por milagre estava no lugar que imaginei estar) e voltei ao carro dela. Em poucos minutos peguei o meu e consegui acabar meus compromissos do dia.

Filhas, não foi um dia fácil, nem os últimos anos foram, por vários outros motivos que sabemos e não vêm ao caso. Porém, entendi que inúmeras vezes perdemos, mas é maravilhoso ganhar e necessário comemorar, para podermos suportar a tristeza dos momentos inevitáveis e para não vivermos cheias de projetos, sonhos, expectativas e necessidades intangíveis, nos movendo, imobilizadas, em busca da tão distante felicidade.

Olhando em teus olhos,deixo a dedicatória da tese:

"Às minhas filhas, Mariana e Natália,
Que, silenciosamente, transformaram meus momentos de estudo e ausência, em admiração e cumplicidade do amor."

Que o silêncio desta noite que já vai alta, acolha-as nos sonhos.

Beijos
Mamãe

 
 

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