PASSA PERTO!
Edison Veiga Junior
 
 
thaís entrava no banco de trás e trazia um papel amassado na mão. estava triste, a deglutição matinal de seus sonhos não fora tão boa como de costume.

::thaís tramava viajar para longe, e sabia que o táxi era apenas o começo. depois viria o check-in, o avião, os porquês, a alfândega, o barulho todo, as nádegas doloridas. o táxi e o taxista de bigodes felpudos era só o começo de um trajeto rumo ao front.

::thaís era a rainha das predileções: queria de tudo, desde apertar o botão do elevador até tocar violoncelo. só não queria era começar outra vez o que já dera errado por nascimento mesmo.

::thaís trazia no papel amassado o endereço de um homem importante que morava no final de sua viagem. ele calçava sapatos lustrosos e trabalhava sob a forca de uma gravata listrada. não tinha filhos nem tatuagem, mas sua motocicleta fazia um ronco inconfundível.

::thaís não gostava de carregar bagagem e sua vida era uma infinitude de desapegos e choros. a cada momento, novidades; em cada porto, um canto e uma ilusão.

::thaís tinha o rosto de quem brilha, o corpo de quem crê, a alma de quem sabe e o coração, ah, o coração de quem é. mas não sabia sambar e estava muito longe de ler neruda. era antítese do medo e certeza do segredo.

::thaís sentiu que, nos seus dentes, ainda havia restos do café-da-manhã. passou a língua pra disfarçar, ao que o motorista espiou pelo retrovisor. ela escondeu instintivamente o decote.

::thaís sorriu.

::thaís sorria.

::thaís era daquelas mulheres que não tinham passaporte.

 
 

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