O DOENTE
Eduardo Prearo
 

Trinity estorcega a cueca lilás enrolando-a na torneira da pia do toillet. Depois, deita-se na cama funda e por alguns momentos entrega-se a pensamentos angustiantes; em seguida, abre um livro amarelo-ouro em uma página onde está escrito algo sobre o passaporte para o inferno. Fecho o livro e os olhos. O rótulo de doente machuca-o, porém sempre foi, dentre outros, um rótulo temido e esperado. Desde o incidente em Open Sea, Trinity não teve mais credibilidade por parte de ninguém. A culpa dele continua sendo ponto pacífico, agora não somente para os que presenciaram a cena triste que se desdobrou naquele lindo bar, mas também para certa parcela de uma sociedade capitalista e jamais imoral. Não cabe a mim inocentá-lo, fazer apologias; meu Qi é mesmo baixo para estas e outras coisas. Trinity não chegou a furtar o maço de cigarros esquecido sobre a mesa, mas ameaçou fazê-lo; e se dizesse depois que foi uma brincadeira de mau gosto, que não houve intenção tão ruim, estaria se desgraçando mais ainda. Do mesmo modo que o pano para a manga parece infindo, a esperança também deveria parecer e ainda ser. Trinity ficou possesso após ser acusado de ladrão por um indivíduo considerado altamente sensível e praguejou, saindo só e nervosamente do bar. Fosse mavioso nas palavras e gestos que tudo estaria melhor. Agora ele é o doente em busca de tratamento de grátis, em busca do perdão, um doente tentando arrepender-se. Trinity nunca teve a quem perdoar e isso é qualidade. Ele desconfia de que naquela noite fresca, algo nele não agradava. Ele continua saindo para as baladas, o que talvez não seja correto, haja vista a miséria em que se encontra. Abre, então, novamente o livro amarelo-ouro e lê algo sobre microchips implantados nas testas e nas mãos das pessoas. Apocalipse? Fecha-o e pensa nas pessoas que lhe viraram a cara, pensa nos vícios, nos colegas e nas festas, outrossim vícios. Está perdido! Lembra-se das recentes palavras a respeito dele proferidas pelo inocente acusador daquela noite e de sempre que uma certa amiga veio lhe contar:

--- Perdôo, pois um doente nunca é culpado!

 

 

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