LONDRES
Luís Augusto Marcelino
 

Destino: Londres. Havia algo de impossível naquela minha tentativa intempestiva. Eu não tinha passaporte. Tinha uma carteira de identidade, um cartão do seguro saúde, um outro cartão telefônico, algumas notas amassadas de dez e de um real. Seria impossível embarcar ou mesmo entrar na sala de espera do vôo. Eu só tinha minha vontade e um bocado de esperança de ela desistir de tudo, vir correndo de encontro aos meus braços, de declarar algo que eu nunca tive certeza de que ela poderia declarar.

- Londres é uma cidade legal. Dizem que está sempre coberta de nebulosidade, mas aqui em São Paulo também há nebulosidade, talvez agravada pela poluição, mas não deixa de ser uma nebulosidade considerável. Você vai se dar bem lá, tenho certeza.

No dia em que Elena me disse que iria para a Europa não acreditei muito. Parecia uma alucinação, um sonho não concretizado. Então simplesmente sorri. Londres? - perguntei. Por que não Milão ou Barcelona? Acho que fui meio debochado.

Para chegar ao aeroporto de Cumbica tem que se atravessar a cidade. Uma via crucis motorizada. Percorrer a Marginal Tietê, driblar uma porção de carros, torcer para que não haja nenhum motoqueiro estendido na via. Eu tinha esperança de que o vôo se atrasasse. Mais do que isso: contava que algo do além fizesse com que Elena não embarcasse. Um meteoro, um furacão, uma ameaça terrorista, um cataclismo qualquer.

Elena me mostrou a passagem ontem à noite. Tinha uma escala em Miami, mas ela não teria tempo de fazer compras. Era só uma troca de aeronave. Eu disse que seria uma boa ela viver no exterior, e talvez fosse mesmo uma boa pra ela. Pra mim seria uma merda. Lembrei do dia em que Elena me convidou para ir a Goiânia acompanhar seu estágio. Recusei. "Goiás é terra de ninguém, linda..." Lembrei de muitas outras coisas no percurso tortuoso entre a minha casa e o aeroporto. Na verdade eu nem sabia o que iria fazer lá. Talvez olhá-la de longe, talvez correr em direção a ela e pedir que ficasse. Uma hipótese mais remota era ameaçá-la de morte, seqüestrá-la, não deixar ela pôr os pés naquele maldito boeing.

Cheguei ao estacionamento às 16 horas. Quarenta minutos antes do embarque. Coincidentemente Sampa estava nublada. Se eu estivesse perto da Estação da Luz seria capaz de dizer que estava na capital inglesa, mas não era o caso. Embarque internacional. Avistei a placa. Melhor tomar um café e observar o movimento. Gente branca, gente preta, gente oriental. Uma mescla de todo tipo de gente. Vi Elen e seu cunhado passarem apressados pelo corredor largo. Hesitei em pagar e correr atrás, mas algo me segurou. Senti calafrios, e pensei que fosse morrer ali mesmo naquele café. Paguei a conta. Quase dois reais por um café, uma fortuna. Um roubo!

Segui rumo ao balcão da Varig. Lá estava Elena fazendo seu check in. Mais uma vez tive de reprimir meu desejo de interpelá-la. Acendi um cigarro.

A aeronave alçou vôo às 16:55. Destino: Londres, com uma parada em Miami. Voltando pela Rodovia Ayrton Senna, olhei para o céu. O mundo me pareceu muito grande. E muito pequeno ao mesmo tempo.

 
 

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