REDENTOR
Waldyr Argento Júnior
 

Estou perto, estou certo, quase certo, deserto e sem amor. Apago a luz do quarto e tento dormir. No meu pensamento a imagem dela: Loira, magra, sorriso lindo, às vezes calma, outras tantas agressiva feito onça brava. E esse rosto bonito não sai da minha mente. Pacientemente procuro o interruptor do abajur, na verdade eu não procuro pela luz física, gostaria de encontrar uma saída no final daquele túnel de desgosto pela paixão não correspondida.

Corro para cozinha, abro a geladeira em busca de remédio. Isso mesmo, medicamento para mal de amor. Encontro duas cervejas geladas e uma garrafa de vinho aberta pela metade. Olho para aquele recipiente de vidro e imagino minha vida: Metade tristeza da rejeição, a outra, felicidade de ter encontrado um novo amor.

Abro a janela do quarto e vejo bem de longe as luzes da cidade adormecida, da vida noturna que brota nas noites encantadas da cidade maravilhosa. No Redentor imóvel pairam nuvens que parecem acompanhar a figura de pedra silenciosa, mas de braços abertos para todos como se dissesse-nos: "Sejam bem-vindos!"

Quase choro um lamento sem fim, quando a famosa bossa, "Samba do avião" veio me acompanhar: "Cristo Redentor braços abertos sobre a Guanabara...".

Essa melodia inesquecível que tantas vezes ouvi, fez com que a inspiração quase brotasse dentro de mim. Uma chama vibrante naquela noite sombria, sem luar. Espero poder um dia escrever versos tão lindos à minha amada e quiçá à cidade maravilhosa. Pego o violão e desfilo músicas e poesias antigas para acalmar a dor. Tento arriscar um poema novo, quem sabe não faço uma melodia que possa encantar minha amada?

Mais uma vez, não obtendo resposta satisfatória, dou-me por vencido após a última taça de vinho engolida com sabor de desilusão. Apago a luz e tento dormir, perdido em pensamentos vãos.

Os sonhos de encontrá-la num jantar a velas vêm-me à tona agora, cada vez mais fortes. Conversamos futilidades, porém isso pouco importa, concentro-me por inteiro no brilho do seu olhar e me encanto com o retorno magistral daquela Íris bela, irradiando raios, qual luar a me desejar. Depois vamos a uma danceteria, encosto seu corpo quente e macio ao meu, sintonia química que me faz bailar. Mais tarde deixo-a em casa despedindo-me com um beijo longo e quase perfeito que me faz viajar. Ela então me convida para entrar e a madrugada passa feito feitiço de fada, manso e constante, alegria que me faz voar.

Todavia, quando acordo meio sem rumo me dou conta que estou sozinho. Procuro o relógio, já passam das oito horas. Nesse momento eu já deveria estar entrando no escritório. Penso em largar tudo e partir para outra paixão que pudesse apagar aquela desventura. Porém vem-me o medo, infelizmente este sentimento, esta fraqueza a me perseguir.

- Deus do céu! Cristo Redentor me ajude! -penso em voz alta.

De repente lembro-me de uma antiga carta que fiz na época da morte do maestro. Procuro-a veementemente pelas gavetas. Vasculho os armários, as pastas e após algumas frustradas tentativas, ei-la inteira, naquele pedaço de papel amarelado pelo tempo. Recordo-me muito bem do dia em que tive a inspiração divina, a qual me permitiu urdir versos, nesta pequenina homenagem aos poetas e compositores que tanto amaram a cidade do Rio de Janeiro:

Carta ao Tom 94 09/12/1994

Tom e Vinícius de Moraes,
vocês são demais.
Irmãos de canção,
parceria de poesia.

Seus versos para o Rio,
invadiram o mundo.
Confesso, escrevo e envio,
pequena homenagem, mas que vem do fundo,
do fundo do meu coração.

Adeus poesia.
Adeus boemia.
Nasceu mais um dia.
Morreu a alegria.

Um Tom, uma nota, um compasso.
Um som, uma pausa, um espaço.
Vazio no Rio.
Vazio no mundo.

Mas ficam pra gente,
as eternas canções...
Tua garota num doce balanço a caminho do mar,
do mar de Ipanema,
teu eterno poema.

Eu sei que vamos te amar
por todas poesias e canções,
mas cada nota tua há de apagar
o que essa ausência tua nos causou...

Poesias e músicas mágicas que nunca vão morrer. Percebo então, como estava sendo tolo. Senti que precisava reagir e a partir desse dia comecei a investir cada pedaço do meu precioso tempo num novo projeto. Parti com tudo em busca da poesia. Enfim, encontrara uma boa maneira de esquecer minha desilusão.

Um mar de versos passou a fazer parte do meu dia-a-dia. Embriaguei-me de poemas e rimas, até não poder mais chorar. Escrevi um quase soneto, sem métrica e sem seguir os padrões rigorosos dessa tradicional e bela forma de expressão poética, para tentar homenagear minha musa, muito embora tenha a certeza de que ela nunca irá lê-lo:

Onde vou?
Lua bonita,
Cristo redentor,
me digam onde vou?

Se minha amada me evita?
Se ela diz que não me ama?

E em meu coração essa chama,
Ininterruptamente teima em queimar!
Feito poesia que me faz sonhar!

Cadê você minha princesa?
Onde anda, por que me maltratar?
Vem, vamos juntos voar!

Você que é pura beleza,
garras de felina, a me provocar!
Vem, vem me amar!

 
 

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