CURATIVO GIGANTE
Leila de Barros
 
 

Moro em um país escondido entre cavernas, no qual sutilmente, sem que quase ninguém perceba, um desconforto mudo vem assolando a todos.

Uma espécie de dor que não dói, uma ardência que não se localiza, um lapso de tempo que não se encontra, uma falta generalizada.

Existe uma ausência desmesurada de rumos que nos faz seguir sem bússolas, atordoados, como mariposas que se chocam contra a luz. Há abundância de lucros, mesadas, malas, cifras e falta ética e fronteiras bem definidas. Talvez esse país esteja assumindo um novo desenho de constelação no mapa global.

CPIs vasculham tudo o que é possível, a Polícia Federal investiga a todos e tenta punir, mas nas bancas de jornal, inacreditavelmente, a exposição maior, ainda é a das nádegas e seios avantajados, exigindo atenção e aumentando a carência dos famintos. Onde falta a filosofia, sobram traseiros. Eles devem suprir afinal a falta de livros, de bens, de sonhos e o gosto do café da manhã.

Nas grandes metrópoles desse país, há marginais extensas, que se deitam sobre elas de ponta a ponta, longos trilhos que margeiam os rios principais, espelhos d'água e pequenos córregos escancaradamente sujos, expondo a ferida escura da poluição. Falta água, faltam peixes, onde sobram capivaras, garças e flores teimosas de pântano.

Há falta de ozônio, ocasionando brechas ameaçadoras, que nos remetem à falta de ar, de paisagens e trazem o medo do que não se sabe e que dorme latente nas cobertas de nossa imaginação.

Em todos os locais públicos, em todas as lojas, restaurantes e meios de transporte há ruídos, músicas de péssima qualidade, muito barulho, muita agitação. Falta o silêncio interno, há a ausência do silêncio calmante, das palavras ditas em tom moderado, há ouvidos cansados e refratários, sobram conversas extraviadas.

É um país de gritos e controvérsias, contrapondo-se à afasia dos que seguem anônimos e com parcimônia: os deserdados da lei. Esse país vive o legado de uma história de extrações, subjugações e feridas abertas. Falta um vidro gigante de anti-séptico que possa curá-las. Faltam curativos esperançados que salvem as almas combalidas. Moro em um país que tem a forma de uma vitória-régia quase desfigurada pela ferida da desesperança.

 
 

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