MARGARIDAS
Vera do Val
 
 

Ela tocou o coração. As duas mãos no peito, delicada. Ainda sangrava. De nada adiantaram os curativos, feitos às pressas, de nada a racionalização. Ainda doía muito. Com cuidado tentou trocar as bandagens. Arrumou-se toda e saiu pela noite. Não adiantou. O sangue continuava a pingar. Procurou o uísque no armário. Quem sabe anestesiasse. Funcionou. A dor ficou mais fininha, mas continuava ali. Extenuada, atirou-se na cama.

Na manhã seguinte acordou boiando nos lençóis empapados. O mundo era vermelho, a chaga não desistia.

Meio sem rumo, foi até a cozinha. Abriu a gaveta das facas. Todas reluzentes. Escolheu a mais afiada.

Com um golpe certeiro abriu o peito e arrancou o coração. Atirou-o pela janela. Suspirou aliviada.

Já mais tranquila, respirou fundo, e saiu para o trabalho. Quando voltou, repicando os saltos das sandálias pela alameda do jardim, viu o coração, abandonado, no centro do canteiro de margaridas. Ainda batia, ainda sangrava. E as flores, todas elas, estavam tintas de vermelho.

 
 

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