EVIDÊNCIAS
José Luís Nóbrega
 
 

Com a segunda pancada ele a atordoou. Com a terceira, ela caiu próxima à geladeira, e ali ficou, imóvel, olhos a fitar a prateleira suja pelo embaçado do tocar de dedos.

Ele aturdido senta-se na cadeira próxima à mesa, olha-a, e não a reconhece. O rosto inchado a faz parecer uma outra pessoa. Arrepende-se por um vago momento, sentindo-se realizado logo no momento seguinte. E nas realizações humanas, nada melhor que um bom e prazeroso cigarro.

Ainda com o corpo à sua frente, sentado, ele acende o cigarro, não sem antes molhar seu filtro com a língua. Sempre depois de grandes peripécias, desfrutava ele do antigo hábito de molhar com a ponta da língua o cigarro, antes de sorvê-lo em grandes tragadas.

O palito de fósforo foi quebrado ao meio, e jogado ao chão, em meio ao sangue que escorria pela vítima caída defronte à geladeira. Perlustrou ele então aquela cena mórbida, puxando uma última tragada, e ali mesmo, atirou o cigarro quase que inteiro dentro da enorme poça de sangue que crescia a cada minuto. Saiu do local do homicídio como se não tivesse entrado. A passos largos se distanciou dali.

Dois dias depois, o delegado Paranhos o convida para uma visitinha à delegacia. Como ex-amante da vítima, ele poderia prestar esclarecimentos que ajudariam a solucionar o crime. Ele se apresenta ao delegado com a frieza de todo assassino.

Doutor Paranhos inicia então o interrogatório, ou melhor, os esclarecimentos (é assim que autoridades policiais preferem chamar esses atos):

- Seu Josias, já sabemos que o senhor tem um álibi quase perfeito. Estava entre as prostitutas do Andaraí, ontem, por volta das 22 horas, hora em que o legista atestou a morte de sua esposa, ou digamos... sua amante, dona Mercedes. Isso é o que o senhor diz a todos. Iremos investigar. Já sabemos também que ela morreu por traumatismo craniano, causado por uma garrafa de água que se encontrava na geladeira da própria vítima. Os frisos no fundo da garrafa coincidem com as marcas deixadas no crânio de sua falecida mulher... ou, sei lá, sua amante, como queira. Encontramos também...

Antes que o delegado concluísse, Seu Josias pede ao escrivão um cigarro. Coloca o cigarro na boca, chupando-o antes de acendê-lo, procurando por um isqueiro. Sem encontrá-lo, apanha a caixa de fósforos na mesa do delegado. Acende o cigarro com o fósforo, e o quebra ao meio, deixando-o sobre o cinzeiro. O delegado então solta a voz com furor de uma autoridade:

- Senhor Josias, o senhor está preso. O senhor quer dar algum telefonema?

Josias, incrédulo, permanece mudo, e o delegado completa:

- Na cena do crime, encontramos este fósforo (abre a gaveta e o apresenta dentro de um saco plástico) ao lado da vítima. Veja, Seu Josias: o fósforo está quebrado ao meio. Agora, o senhor, após acender o cigarro...

Antes que o delegado concluísse com um "acabou por quebrar o fósforo ao meio, assim como na cena do crime" - ouvi-se um grito na sala:

- Fui eu...

 
 

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