O PROCRASTINADOR
Luciana Franco
 
 

O homem, no meio da sala, procrastinava. A tudo deixava para depois com um zelo de curva amarga no canto da boca.

Se a mulher da faxina se prontificava para apagar em surdina o cigarro esquecido entre seus dedos nodosos, ele soltava, entre um pigarro e outro, o bafo azedo dos que sempre deixam para depois, até mesmo o serviço dos outros.

E quando as cinzas caíam, porque é uma lei que elas caiam, se acumulavam em volta dele, não varridas, num silêncio de catacumba vazia, a enterrá-lo ainda mais. Ao homem que, no meio da sala, não movia uma palha para fechar a janela ou puxar a cortina.

Deixava, como quem já não se importa com nada, que o escarninho de milhões de risadas o pegassem naquela posição ingrata dos que cagam com a porta escancarada, a careta constipada enfeitando-lhe a cara e as merdas todas das histórias que não fez entupindo-lhe o ventre.

Sequer chorava de raiva ou desespero e dor quando alguém com ele se chocava e pedia aos berros que saísse do meio da sala. Porque a raiva, o desespero e a dor são rebentos do agora, e esse, enfim, era um homem que procrastinava. Procrastinava, inclusive, o desconforto de ser um estorvo quando lhe batiam na cara.

Rodeado de moscas no pântano lodoso do jardim, onde chafurdava a sua viscosidade de existência resignada, ele viu nascer à flor. A noite caia, mas ela, branca, lívida, intrépida, iluminada, alçou a haste para fora da imensidão de lama e fitou-o com olhos enérgicos de festa.

Pela primeira vez, depois que a outra fora embora, sorriu.

E porque o amor move até mesmo os que não se movem nunca, ele estremeceu e a desejou e se voltou para ela no esforço desacostumado de quem há muito não sacode o pó. Quis tocá-la, chamá-la para si.

Mas a mania de deixar tudo para depois fez com que ele pensasse que no dia seguinte seria melhor.

Veio a noite. E com ela uma chuva fina. E depois da chuva fina um vento forte. E, por fim, a tempestade. Na manhã seguinte, nem olhos de festa, nem sorriso intrépido. Ao amor não se deve deixar para depois.

 
 

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