CONJUNTO VAZIO
Edison Veiga Junior
 
 

Na mesa, o prato vazio denunciava que as idéias estavam ficando velhas. Velhas, tristes, cansadas. Estevão era um lamento. Esther era uma lágrima. E as crianças brincavam no sofá da sala. As crianças nunca entendem nada do mundo dos adultos.

- Mulher, café!

- Quedê?

E o silêncio ecoava por todos os cinco cantos da casa.

***

Quando os cabelos começassem a cair, Estevão sonhava já ser um publicitário reconhecido. Detentor de dois Cannes, no mínimo. Eu disse dois? Ahaha... Detentor de oito Cannes. Nove, talvez.

A sua estante continuava vazia. Vinte anos depois, a estante vazia. Sobre ela, apenas uma placa com uns dizeres de reconhecimento. Dos formandos da faculdadezinha particular meia-boca onde ele leciona para completar o orçamento.

***

Tem aquela famosa frase que diz "se arrependimento matasse...". Pois se arrependimento matasse, seríamos todos convidados a velar pela alma do pobre Estevão. Porque quando ele recebeu a proposta para trabalhar no exterior não quis abandonar família. Tinha medo da cama vazia.

Agora Esther ameaçava abandoná-lo, levando junto os três meninos. Porque a crise ruiu tudo: amor, amizade, paixão. A crise é um diabo loiro que come a vida da gente pelas beiradas.

E Esther quer outra vida, outra cidade, outro apartamento... Esther quer outro homem.

À Estevão, a promoção: do sofá para a cama vazia.

***

Neste instante em que são três da madrugada e sua única e última companhia é a televisão fora do ar, Estevão torce para que o relógio parado não seja por falta de pilha. Porque ele acredita que no post-mortem as horas fiquem estáticas.

 
 

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