NA PRESSA
José Luís Nóbrega
 
 

Pulou da cama antes mesmo que o rádio-relógio o despertasse. Com pressa, ainda meio sonolento, ficou com o dedo no botão da descarga, enquanto pensava no dia cheio que teria pela frente. Um banho de dois minutos. Escovação dos dentes em um. Sem notar, tentou amarrar os sapatos, estando ainda só... de meia...

Pensou em passar pelo quarto dos filhos para uma despedida, mas não havia tempo para sentimentalismo naquele dia. Um pedaço de pão na boca, o paletó colocado enquanto abria a porta do carro. Olha com impaciência o portão eletrônico subir, parecendo que aquilo duraria uma eternidade.

Passou pelo farol vermelho, falando no celular com o diretor da empresa, que o avisa pra não se atrasar, pois todos já estavam lá o esperando. Deu uma conferida no relógio: estava adiantado, mas por via das dúvidas, uma aceleradinha não faria nenhum mal. Chegou esbaforido ao escritório. Não respondeu ao "bom dia" do segurança que, sorridente, abriu a grande porta de vidro para que o apressado passasse.

Na reunião apresentou seu trabalho, olhando a todo o momento para o relógio da parede. Não poderia demorar. Teria que abrir logo seus e-mails, atender os clientes, assinar os cheques para pagamento de contas... Antes que o desespero batesse, terminou a reunião. Não se despediu de ninguém. Não havia tempo para sentimentalismo, indo direto para a sua sala.

Ligou o computador, que parecia lento como nunca naquela apressada manhã. Ouviu aquela musiquinha chata vinda do Windows, e antes mesmo que todas as janelas fossem abertas na tela, foi tentando se conectar. Mas, como todo computador é meio melindroso, acabou por travar. Não pensou duas vezes: desligou o maldito, ouvindo logo em seguida novamente a chata da musiquinha. Aguardou que a última janela se abrisse e, feita a conexão, foi respondendo aos e-mails, mas com o pensamento nos novos clientes da agência que já o aguardavam na sala de espera.

Excluídos todos aqueles correios tolos, com mensaginhas do tipo: "bom dia! é bom ter um amigo como você!" - (como havia tempo para se criar tantas futilidades! - pensava ele, olhando para o relógio do computador), pediu à secretária que o primeiro cliente entrasse. Ela deseja a ele um "bom dia!" pelo interfone, também sem resposta.

Atendeu o primeiro pensando no segundo, que certamente viria com os mesmos problemas. Atendeu o segundo imaginando o que o terceiro diria. Atendeu o terceiro imaginando como dispensaria o quarto, pois o tempo para as entrevistas... já havia terminado.

Correu para o almoço. Mas correu mesmo! Não aguardou o elevador. Desceu os oito andares pelas escadas. Com a bandeja na mão, foi passando como um furacão pelo restaurante, pegando um pouco de tudo aquilo. Comeu pensando nos compromissos que teria que adiar à tarde. Estava atrasado. Olhou pela milésima vez a hora. Saiu correndo, deixando metade da comida no prato.

Às oito da noite a secretária se despede com um "boa noite!", e mais uma vez, ele nem a nota. Continua lendo e relendo calhamaços de relatórios. Às dez sai do escritório, cabeça baixa, pensando no trabalho do dia seguinte. Mas não haveria trabalho no dia seguinte. Uma buzina parece ecoar ao longe... No entanto, ela não está tão longe assim! É atropelado, e terá que permanecer no hospital por meses, imóvel, todo enrolado em ataduras. Lá não reclama da falta de tempo, e repete todas as manhãs sonoros - "bom dia!" - às enfermeiras, que sem tempo para sentimentalismo, nada respondem...

 
 

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