HORAS PARADAS
Marlon Macarini
 
 

Enquanto, perdido, no lapso dos dias,
Co'as mãos fugidias folheando canções,
Eu tenho, somente, entre tantos segundos,
Apáticos mundos e vãs sensações.

Insurge nos becos do quarto onde moro,
O vácuo sonoro do tédio mordaz
E busco enxergar uma luz de sossego,
à qual meu apego descanse com paz!

Porém, esquecida, nos cantos escuros,
Co'os olhos impuros, a morte pedante,
Perdura e se mostra uma velha decrépita,
Volátil, patética, de atro semblante!

O que me destrata e desgraça-me a luz,
Prostrado na cruz dos silentes quartetos,
É não ter vontade a fugir deste carma,
Matar-me sem arma, jogado nos guetos!

Baratas, poemas, garrafas de vinho,
Travando o caminho dos verbos malditos,
Completam a tela maldita dos anos
Os quais mui profanos cessaram meus gritos!

A tíbia centelha da vela me ofusca
A trágica e brusca corrente do espanto!
Eu quero escrever, mas talento não tenho,
Nem forças mantenho, nem mágoas ou pranto!

Mi'a dor se resume a um frasco vazio,
Forjado no frio crepitante dos sonhos!
Mi'a vida, uma longa quimera odiosa
Eivada na glosa de versos tristonhos!

Às vezes intento às janelas livrar-me
Do tétrico mar de miasmas do quarto,
Mas nada percebo feliz ou completo,
Que possa ao concreto sustar-me do enfarto!

Até aspirei à paixão, pois, o amor!
Tão bela é a flor nos cadernos exposta!
Já li alguns livros... jorravam amores,
E nunca os senhores perdiam a aposta!

As horas paradas, os vagos desejos,
A angústia dos beijos não dados, dormentes,
Convidam à casa macabra dos vícios,
Aos seus precipícios de ofícios dementes:

Um deles se mostra na farta desgraça
Em que nossa massa se lança aos cadernos,
Buscando na escrita a alforria da dor,
Sem muito pudor aos desígnios supernos.

Joguei-me nos livros, na inércia dos sonhos,
Bebi os tristonhos langores do vinho,
Prendi-me aos grilhões dum poema malfeito,
Restando em quarto, confuso e sozinho...

Lancei-me no afago discreto dos versos,
E neles, perversos sorrisos eu vi!
Mas nada mudou, pois inerme às batalhas
Joguei as toalhas, ao som de Satie!

E quando ao final desta amarga leitura
Eu sinto a soltura dos versos ao lê-los,
Mas dói-me saber que em tão belo esquadro,
Só vejo um quadrado sem mais pesadelos.

 
 

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