A ÚLTIMA FLOR DO IPÊ
Pedro Brasil Junior
 
 

Se pudéssemos parar o tempo, com certeza escolheríamos algum ponto de restauração para modificar nossas vidas. Não somos uma máquina que permite alterações conforme tenha sido criada. Mas somos uma máquina criada com toda perfeição e capacidade de superar limites.

Podemos quase tudo... menos parar o Tempo. Podemos "parar no tempo" para descobrir onde estamos ou por onde estivemos à toa. Se pudéssemos escolher um ponto de restauração, certamente que erraríamos na escolha. Somos humanos perfeitos em nossa estrutura física e mental, mas imperfeitos em nossas atitudes. É difícil admitir, mas é a pura verdade.

Se a Lei do Universo permitisse ser burlada, se permitisse que voltássemos para corrigir o destino, é certo que usaríamos tal artificio com variadas finalidades e prejudicaríamos muita gente.

Por certo, o Tempo, Senhor absoluto das galáxias, é também o poderoso juiz de cada um de nós. Julga implacavelmente nossas ações e não permite regressos corretivos. Uma vez ofertado nossos livre arbítrio, devemos seguir o rumo da mesma maneira que um rio nasce em seu olho d'água e se agiganta até o encontro com o oceano.

A natureza é implacável em sua estrutura seqüencial e nos dá exemplos claros para bem viver.

Quando chegamos ao planeta, ele nada mais é do que uma simples estação. Eu cheguei na primavera, mas não recordo das flores! Conheci as cores e senti o aroma floral algum tempo depois. E mais tarde, fui entendendo o significado da nossa relação com todas as coisas que nos cercam no mundo. Enquanto fui fazendo minhas descobertas, vivenciando experiências, cometendo erros e acertos, o tempo foi passando implacável. Descobri no passar de um dia, que vinte e quatro horas podem parecer uma eternidade ou um simples sopro numa vela.

E enquanto viajei pela vida passando pelas estações, continuei descobrindo, com a natureza, o quanto podemos aproveitar de melhor a vida que ganhamos. Os relógios foram inventados por pessoas preocupadas em marcar a passagem do tempo. E as horas, nada mais são do que impertinentes senhoras que vivem a cuidar da vida alheia.

Podemos sim; parar os relógios! Mas não mudamos nada, a não ser, que fazemos assim uma outra descoberta: a de que até mesmo um relógio parado consegue marcar a hora certa duas vezes ao dia. Mas existem sim, as chamadas horas paradas. Aquelas horas que se transformam em angústia, dor e solidão. Aquelas horas que nos colocam entre a ansiedade e a alegria. Mas são horas paradas apenas e tão somente em nosso interior. Porque o Tempo prossegue sua jornada e pouco se importa com quem somos ou onde estamos. Enquanto nos rebelamos com a vida e seus acontecimentos, os relógios seguem demarcando horas, minutos e segundos. Estão em toda parte e são capatazes do Tempo, este Senhor do qual somos todos escravos.

É possível se libertar e ganhar carta de alforria. Basta apenas dar um novo e real sentido à vida. Observar a natureza e viver de perto tudo o que ela oferece. Preservar e respeitar todas as formas de vida e se deixar levar por um soneto antigo, uma cantiga de roda, um sorriso apaixonado, uma felicidade que exige apenas desejá-la.

É preciso dar "tempo ao Tempo" - permitindo que ele prossiga sua jornada mas que nós, possamos diminuir o ritmo, nos desvencilhar dos cabos, dos fios, da eletrônica, dos relógios mecânicos, digitais ou atômicos. Tudo o que existe advém da nossa criação, da nossa capacidade intelectual. É preciso melhorar o mundo mas sem esquecer que a vida existe lá dentro de cada um de nós e se encontra totalmente de braços abertos ao nosso redor.

Sejamos um pouco do Ipê Amarelo, que no final de cada agosto, se apresenta desfolhado e colorido. Ele amarela o cenário e vai deixando, dia após dia, caírem suas flores até que, no despertar da primavera, esteja verdejante e radiante de vida. E ainda assim, para olhos mais atentos, mostrará sutilmente que a última flor amarela ainda está lá, bem na copa, vistosa e suculenta. E só cairá quando um esguio beija-flor lhe extrair do néctar a doce e mágica mensagem de que apesar da nossa cegueira, apesar da nossa ganância, apesar da nossa ignorância, apesar dos relógios e das horas paradas, o Tempo segue o seu curso provendo de vida o mundo e aguardando que, na nova estação, outras pessoas possam também descobrir e vivenciar que somos parte de um conjunto tão perfeito que é impossível não acreditar que tudo tenha sido criado por um Ser iluminado.

 
 

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