INCÓGNITAS
Thaty Marcondes
 
 

Elas estavam lá: estáticas, mudas, imóveis. Aparência meio pálida. Esbranquiçadas, quase sem vida, eu diria, de tão inexpressivas. Eu ia passando e vendo-as, uma a uma, estagnadas nos pontos de coletivos. Esperando o quê? Qual seu destino? Eu não seria capaz de adivinhar, ou imaginar seus anseios ou seus temores. Isso porque seus semblantes nada revelavam: assemelhavam-se a manequins de loja, tal incógnita em sua falta de ares emotivos. Não tinham anseios, nada. Algumas sentadas, olhando o infinito, outras em pé, perscrutando o horizonte, mas, em nenhum caso, movimentos, quaisquer que fossem, por mais suaves ou inconscientes, para alterar sua posição. Eram apenas porções de eternidade deslocadas, arrítmicas, perdidas e desoladas. Parecia que a vida inexistia em si ou à volta. E eu, atônita, querendo entender. E quanto mais eu avançava, em meu percurso, mais distante de mim, mais elas ficavam pra trás, agora inalcançáveis, pois eu não achava o ponto de intersecção, ou de retorno, ou onde parar para poder argüir - ao menos a algumas - os seus motivos, o sentido de tudo aquilo. Um mistério sombrio e esmaecido, anuviado, envolto em brumas. Num quase "fog", eu as perdia de vista, assim que avistava a próxima ou delineado o seu vulto à frente.

Comecei a ficar aflita, curiosa, motivada mesmo, a entender tudo aquilo. Súbito, resolvi tomar uma atitude, ter uma iniciativa que fosse, pois começava a não suportar mais aquela verdadeira agonia, aquele marasmo sem sentido.

Fiz silêncio em minha mente e tentei rememorar aquela situação absurda desde o início. Incrível: parecia que revivia tudo. Uma a uma, pude perceber seus ares tristonhos, inúteis, vazios. Paralisadas, continuavam irremediavelmente imóveis, estátuas do marasmo, tal como dantes.

Afinal, que visão estranha e bizarra e qual o sentido disso? O que eram essas manchas estagnadas? Aguardavam o quê?

Acalmei meu coração descompassado, fiz calma dentro de mim, fechei os olhos e, mais uma vez, revivi aquela visão.

Tudo começava, lentamente, a fazer sentido. Pude reparar, desta feita, nos letreiros acima das estações de espera. Em cada um, mensagem diferente do outro. Prestei muita atenção, gravei as imagens anuviadas - desta feita, um pouco mais precisas - em minha mente, e, após arquivá-las, abri os olhos, descrevi cada uma delas, em seqüência, e reli minhas anotações, à procura de um sentido lógico para tudo isso.

Eis que assim se apresentavam:

1. Dia 30 de novembro de 1964 - aniversário de 10 anos. Fui perdida nos sonhos da festa.
2. 15 de março de 1966 - aniversário do pai. Fui perdida em brigas tolas, por provocação da mãe.
3. 17 de outubro de 1967 - uma tarde besta de chuva fria em São Paulo. Fui perdida em divagações sobre o namoradinho.
4. ...

E por aí foram as descrições sobre várias situações ao longo dos anos. Mas... O que isso quereria dizer? Qual o significado desse conjunto de datas e acontecimentos (ou falta destes)?

No último letreiro, a resposta:

"Somos o tempo perdido. O conjunto de tuas horas paradas. Tempo desperdiçado que não volta mais. O tempo passa sorrateiramente, e nós escorremos pelos dedos de sua vontade. Daqui pra frente, aproveita todos os instantes, pois esse arquivo está ficando lotado!"

 
 

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