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Ubirajara Varela
 
 

Já faz mais de dois meses que não sou chamado para nenhuma entrevista. A última foi numa concessionária de veículos. Serviço de secretária. Estou aceitando tudo ultimamente. Qualquer atividade, seja de homem ou de mulher. Servir cafezinho, carregar mala, lavar cueca, estou topando fazer isso também. A oportunidade faz a profissão.

"Bom dia. Eu vim pelo serviço de secretária".

"O senhor sabe digitar, usar word, excel, internet"?

"Sei".

"Bom, vamos dar início à avaliação. Vamos estar avaliando o senhor quanto aos conhecimentos pertinentes à logística da função"?

Que porra! O que estou fazendo aqui? Logística? Que merda! Logística é uma palavra que está na moda, eu sei, mas é horrorosa. Detestável. Odeio quem usa logística. Odeio quem está na moda. Também detesto quem usa gerundismo. Podem me chamar de cafona, mas tenho o meu estilo próprio. Tenho auto-respeito.

Eu sorrio e digo que não trouxe caneta. Mentira. Ardil para surrupiar a caneta da avaliadora. Uma tinteiro metálica da marca Mercedes Benz. Tudo isso só para me aproximar um pouquinho do meu maior sonho de consumo, que é um carro desta marca. Um modelo E500.

"Obrigado, onde estava com a cabeça, sair pra uma entrevista sem caneta".

"Não tem problemas. Fique tranqüilo. Boa sorte".

Eles sempre falam isso como se se importassem deveras. Boa sorte o putaqueopariu! Eu sei que se ela pudesse, me chutava o traseiro e ainda cuspia na minha cara um escarro dos mais asquerosos. Como se a cusparada fosse uma porção de sal em cima de uma lesma, só pelo simples e mórbido prazer de me ver liquefazer-me.

"Pronto. Acabei".

"Pode me entregar a avaliação e aguardar, senhor. Nós vamos estar entrando em contato com assim que tivermos um resultado".

Mentira. Eles nunca ligam.

 
 

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