TOBIAS
Zeca São Bernardo
 

Mais uma dose no copo já
Enxugado...outro cigarro.
Um novo olhar no velho relógio,
Só para ter certeza que os ponteiros
Quase não se mexeram!

Mais paciência pede a razão,
Sabe que logo o telefone tocará!
Dia e horário do velório e
Do enterro avisados com antecedência.

Outra noite sem dormir...
Um consolo vêm-lhe aos lábios
Ressecados: por fim acabou!
Sim acabou, ficaram para trás
Todas as diferenças.
Todas as magoas, todos os medos...
Todas as certezas e todas as razões!

Ficaram só algumas lembranças...
Do velho que o aborrecia ao telefone
Todas as noites.
Querendo saber como estava e quando pretendia voltar!

Ficaram só as lembranças...
Do homem que o ensinou a pescar,
A escrever, contar, desenhar e com alguma
Destreza fazia pipas com folhas de seda.

Num tempo muito passado.
O que não daria, Tobias, para apenas uma vez
Conseguir dizer a verdade como ele o fazia!
Pararia a vida, pararia o relógio naquela hora
Do último encontro ou do último telefonema
Só para dizer...pai, também te amo!
Diminuiria o ritmo! Pararia todas as horas...

Mas já não pode, mas já não há tempo.
A vida cobra e cobrou-lhe pesado. Caro...
Deu-lhe posses, riquezas, haveres, responsabilidades e
Meios...

....viagens, amores, pernoites aqui e ali.
Pernoites lá em hotéis caros e finos.
Regados a boas conversas com amigos e colegas.

Mas não deu-lhe a chance de vê-lo uma última vez...
Não deu-lhe a chance de uma despedida,
Um olhar, um afago, um beijo na mão.
Um pedido de benção.
De ouvir todos aqueles conselhos que não pediu e
Que estava certo não serviriam de nada na tomada de suas decisões.

Saudades? Muitas...confessa ao reflexo no espelho.
Enquanto assiste ao triste espetáculo das lágrimas
Que precipitam-se como se vontade própria tivessem.

No silêncio uma prece, no coração
O medo...de que o filho o queira esquecer
Tanto quanto ele tentou esquecer aquele velho.
Na boca uma oração não pela alma do pai...
...mas sim pela sua!

 
 

fale com o autor